Provavelmente você já leu ou escutou alguma coisa relacionada aos mártires da Igreja. Ao longo de uma história com mais de dois mil anos muitos já ganharam este título, como atesta o Cânon Romano (Oração Eucarística I):
"E a todos nós, pecadores, que confiamos na vossa imensa misericórdia, concedei, não por nossos méritos, mas por vossa bondade, o convívio dos apóstolos e mártires: João Batista e Estevão, Matias e Barnabé, (Inácio, Alexandre, Marcelino e Pedro, Felicidade e Perpétua, Águeda e Luzia, Inês, Cecília, Anastácia) e todos os vossos santos".
Mas qual o primeiro texto que utiliza a expressão "mártir" referindo-se aqueles que deram à vida em defesa da fé?
A resposta pode ser encontrada na carta da Igreja de Esmirna enviada à Igreja de Filomélio (séc. II), descrevendo o martírio de Policarpo. Temos nesta carta o primeiro texto cristão descrevendo um martírio, sendo também o primeiro que utiliza o termo "mártir" para descrever um cristão que é morto por causa da fé.
Alguns trechos da carta:
CAPÍTULO I
1. Irmãos, nós vos escrevemos a respeito dos mártires e do bem-aventurado Policarpo...
CAPÍTULO IX
1. Quando Policarpo entrou no estádio, veio do céu uma voz, dizendo: “Sê forte, Policarpo! Sê homem!” Ninguém viu quem tinha falado, mas alguns dos nossos que estavam presentes ouviram a voz.
3. O chefe da polícia insistia: “Jura, e eu te liberto. Amaldiçoa o Cristo!” Policarpo respondeu: “Eu o sirvo há oitenta e seis anos, e ele não me fez nenhum mal. Como poderia blasfemar o meu rei que me salvou?”
CAPÍTULO XII
2 A essas palavras do arauto, toda a multidão de pagão e judeus moradores de Esmirna, com furor incontido, começou a gritar: “Eis o mestre da Ásia, o pai dos cristãos, o destruidor de nosso deuses! É ele que ensina muita gente a não sacrificar e a não adorar.” Dizendo isso, gritavam e pediam aos asiarca Filipe que lançasse um leão contra Policarpo.
CAPÍTULO XV
1. Quando ele ergueu o seu Amém e terminou sua oração, os homens da pira acenderam o fogo. Grande chama brilhou e nós vimos o prodígio, nós a quem foi dado ver e que fomos preservados para anunciar estes acontecimentos a outros.
2. O fogo fez uma espécie de abóbada, como vela de navio inflada pelo vento, e envolveu como parede o corpo do mártir. Ele estava no meio, não como carne que queima, mas como pão que assa, como ouro ou prata brilhando na fornalha. Sentimos então um perfume semelhante a baforada de incenso ou outro aroma parecido.
CAPÍTULO XVI
1. Por fim, vendo que o fogo não podia consumir o seu corpo, os ímpios ordenaram ao carrasco que fosse dar o golpe de misericórdia com o punhal. Feito isso, jorrou tanto sangue que apagou o fogo. Toda a multidão admirou-se de ver tão grande diferença entre os incrédulos e os eleitos.
2. Entre estes, o admirável mártir Policarpo, que foi, em nosso dias, mestre apostólico e profético, o bispo da Igreja católica de Esmirna. Toda palavra que saiu de sua boca se cumpriu e se cumprirá.
CAPÍTULO XXI
1. O bem-aventurado Policarpo deu testemunho no início do mês Xântico, no décimo segundo dia, o sétimo dia antes das calendas de março*, dia do grande sábado, na oitava hora. Ele fora preso por Herodes, sob o pontificado de Filipe de Trália e do proconsulado de Estácio Quadrato, mas sob o reino eterno de nosso Senhor Jesus Cristo, a quem seja dada a glória, a honra, a grandeza, o trono eterno de geração em geração Amém.
* 23 de fevereiro.