Quando se vos diz que deveis amar a cruz, não se pretende referir a um amor sensível. Isso é contra a natureza humana. Devereis, pois, distinguir três espécies de amor: o amor sensível, o amor racional, o amor fiel e supremo. Com outras palavras, o amor que procede da parte inferior e que é carnal; o amor que procede da parte superior e que é a razão; e o amor que está acima do espírito, ou amor supremo, e que é a inteligência, iluminada pela fé.
Deus não vos pede para amardes a cruz de maneira sensível. A vossa "vontade da carne", na verdade, é inteiramente propensa ao mal e a que dele procede resulta manchado; daí que não aceitará submeter-se, por vontade própria, à vontade divina e à sua lei, que não dispensa a cruz.
Referindo-se a esta "vontade da carne", Jesus no Jardim das Oliveiras, exclamava: "Pai, não se faça a minha, mas a tua vontade". Ora, se a parte sensível da própria humanidade de Cristo, apesar de santa, não pôde amar de imediato a cruz, quanto mais não será tentada a rejeitá-la a nossa sensibilidade, que é toda corrupta. Talvez possamos, por vezes - a exemplo de muitos santos - saborear até o prazer sensível da cruz, mas esse prazer não procede dos sentidos, ainda que more no reino da sensibilidade; ele procede da parte mais nobre da alma que está tão repleta de felicidade do Espírito Santo que a faz transbordar para a parte sensível. E assim, até a pessoa mais crucificada poderá exclamar: "O meu coração e a minha carne estremecem de alegria no Deus vivo".
SÃO LUIS DE MONTFORT. Carta aos amigos da Cruz. São Paulo: Cléofas. 2014

Nenhum comentário:
Postar um comentário