O crescente conhecimento científico e poder de intervenção sobre a vida humana que a humanidade conquistou nos últimos anos, especificamente na área da biologia e genética, com possibilidade real de re-criação da vida, assusta muita gente. Manchetes na mídia alardeiam, com frequência, a expressão os "cientistas não deveriam brincar de Deus". Temos uma questão teológica implícita nessa frase.
Na maioria das vezes, a expressão "brincar de Deus" destina-se a proibir certas formas de pesquisa científica e terapia médica, significando que o ser humano não tem o direito de alterar os planos estruturais dos organismos vivos, inclusive do seu próprio, pois isso se constituiria em uma usurpação do privilégio de Deus criador. A todo e qualquer avanço científico, levanta-se a placa: "Não brincarás de Deus". Diante dos extraordinários progressos da biotecnologia, a expressão bíblica de que o ser humano foi criado à "imagem e semelhança de Deus" está sendo substituída por outra: "Autocriado à sua própria imagem e semelhança". Quando do anúncio da clonagem de Dolly em 1997, perguntou-se se tal fato seria um "milagre pelo qual deveríamos agradecer a Deus ou se se constituiria numa nova e abominável forma de tomarmos o lugar de Deus".
O conceito de criação inclui a noção da imago Dei, como afirmam teólogos contemporâneos, o ser humano é "co-criador criado" de Deus. Claro que aqui temos uma tensão. De um lado, a vocação bíblica do ser humano, que leva adiante a obra do Criador, e de outro temos a tendência prometéica de este ser querer tornar-se Deus. A expressão "co-criador criado" implica ver que a criação ou a natureza não são estáticas, mas estão num processo de evolução da creatio contínua de Deus. O ser humano continua a criação, desvendando os segredos e mistérios da criação, aperfeiçoando-a.
PESSINI, Léo, Bioética. Um grito por dignidade de viver. São Paulo: Paulinas. 2009

Nenhum comentário:
Postar um comentário