“Por isso mesmo encontramos na Bíblia repetidamente
a ideia de que Deus se manifesta ao mundo de maneira dupla. Deus se revela certamente
na força cósmica. A grandeza do logos do mundo, que ultrapassa todo o nosso pensar e ao
mesmo tempo o abarca, remete àquele cujo pensamento é esse mundo, e diante do qual os povos
nada mais são do que “uma gota caindo de um balde” e “pó numa balança” (Is 40,
15). O universo é realmente um testemunho de seu criador. Por mais que
resistamos às provas da existência de Deus, por mais objeções que a reflexão
teológica, justificadamente, levante contra os diversos passos usados nessas
provas, não se pode negar que o mundo e a sua estrutura espiritual fazem
vislumbrar um pensamento criador original e o seu poder fundador.
Mas essa é apenas uma das maneiras de Deus se
manifestar no mundo. O outro sinal colocado por ele e que o mostra mais
adequadamente em seu verdadeiro ser, justamente por ocultá-lo mais, é o sinal
do insignificante que não tem nenhuma importância em termos cósmicos quantitativos,
sendo antes um verdadeiro nada. Poderíamos citar a série TERRA-ISRAEL-NAZARÉ-CRUZ-IGREJA,
na qual Deus parece sumir cada vez mais no menos importante, revelando-se
justamente dessa maneira como ele próprio. Aí está a Terra, um nada no cosmos,
escolhida por ele para ser o cenário de sua ação.
Aí está Israel, um nada entre as potências, escolhido por ele para ser o
cenário de sua aparição no mundo. Aí está Nazaré, outro nada dentro de Israel,
escolhido para ser o lugar de sua vinda definitiva. E, finalmente, está aí a
cruz em que pende um homem, uma existência fracassada, e é justamente nele que
podemos tocar Deus até fisicamente. E aí está também a Igreja, a figura discutível
de nossa história, que afirma de si mesma ser o lugar permanente de sua
revelação. Hoje temos consciência plena de que também nela a proximidade de
Deus pouco perdeu de sua característica oculta. Justamente na ostentação principesca
da Renascença, quando a Igreja pensava poder reverter essa ocultação de Deus,
para ser diretamente a “porta do céu” e a “casa de Deus”, ela se transformou
mais uma vez e mais do que antes no incógnito de Deus, tanto assim que ele
praticamente desapareceu atrás de tanto esplendor.
O verdadeiro sinal de que Deus é o insignificante
em termos cósmicos e mundiais, porque este
remete para uma realidade totalmente diferente que
é mais uma vez o incognoscível ante as nossas expectativas. O nada cósmico é o
verdadeiro tudo, porque o ser “em prol de” é a característica do verdadeiro
divino...”
RATZINGER, Joseph. Introdução ao Cristianismo:
Preleções sobre o Símbolo Apostólico. 7ª. ed. São Paulo: Loyola, 2014.
* o trecho acima faz parte do “Excurso: Estruturas
da fé cristã”, onde Ratzinger disserta sobre os tópicos: o indivíduo e o todo;
o princípio “em prol de”; a lei do incógnito; a lei da superabundância; irreversibilidade
e esperança; o primado do recebimento e a positividade cristã; a natureza do cristianismo.

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