Depois da dispersão da humanidade na sequência da construção da Torre de Babel, é com Abraão que começa a história da promessa. Abraão alude, antecipadamente, àquilo que deve vir; ele é peregrino não só saindo do país das suas origens para a terra prometida, mas também enquanto sai do presente para se encaminhar rumo ao futuro. Toda a sua vida aponta para a frente, possui uma dinâmica que o faz caminhar pela estrada do que deve acontecer. Por isso, justamente a Carta aos Hebreus o apresenta como peregrino da fé apoiada na promessa: ele "esperava a cidade que tem fundamentos, cujo arquiteto e construtor é o próprio Deus" (Heb 11,10). Para Abraão, a promessa refere-se primariamente ao seu descendente, mas vai mais longe: "Por ele serão benditas todas as nações da terra" (Gn 18,18). Assim. em toda a história que começa com Abraão e se dirige para Jesus, o olhar fixa-se no conjunto: através de Abraão, deve vir uma bênção para todos.
Por isso, já desde o início da genealogia, o olhar volta-se para conclusão do Evangelho, onde o Ressuscitado diz aos discípulos: "Fazei que todas as nações se tornem discípulos" (Mt 28, 19). Em todo caso, na história particular apresentada pela genealogia, está presente, desde o início, a tensão para a totalidade; a universalidade da missão de Jesus está incluída neste "de onde" é Ele.
Mas a estrutura da genealogia e da história por ela narrada está determinada totalmente pela figura de Davi, do rei a quem fora feita a promessa de um reino eterno: "O teu trono se estabelecerá para sempre" (2Sm 7,16). A genealogia, que Mateus apresenta, está modelada com base nessa promessa. Está estruturada em três grupos de 14 gerações: primeiro subindo de Abraão até Davi, depois descendo de Salomão até o exílio da Babilônia, para em seguida subir de novo até Jesus, em quem a promessa alcança a sua realização. Aparece o rei que permanecerá para sempre, mas completamente diferente daquilo que se poderia imaginar com base no modelo de Davi.
Essa estrutura torna-se ainda mais clara se tivermos em mente que as letras hebraicas do nome de Davi totalizam o valor numérico de 14, e assim, a partir do simbolismo dos números, Davi, o seu nome e a sua promessa caracterizam o caminho de Abraão até Jesus. Com base nisso, poder-se-ia dizer que a genealogia com os seus três grupos de 14 gerações é um verdadeiro Evangelho de Cristo Rei: a história inteira aponta para Ele, cujo trono estará firme para sempre.
Ratzinger Joseph - Bento XVI. A infância de Jesus. São Paulo: Planeta, 2012.

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