domingo, 25 de dezembro de 2016

Glória a Deus e Paz aos Homens

O acontecimento do nascimento do Salvador, como aquele da encarnação, tem também no evangelho de Lucas o seu cântico e é o Glória a Deus, cantado pelos anjos na noite de Natal. Os cânticos representam - dizia - o exórdio da liturgia natalina, enquanto celebração festiva e pneumática dos eventos do nascimento e infância de Cristo. Por isso eles entraram a fazer parte, desde o início, da liturgia cristã e ocupam nela, até agora, um lugar relevante: o Benedictus, o Magnificat e o Nunc dimittis na liturgia das horas, - respectivamente nas laudes, nas vésperas e nas completas - e o Glória definitivamente na liturgia eucarística. Ao breve cântico dos anjos (Lc 2, 13-14), foram acrescentadas bem cedo, desde o II século, algumas aclamações a Deus ("Te louvamos, te bendizemos...") em uso na língua hebraica e no Novo Testamento, seguidas, um pouco mais tarde, por uma série de invocações a Cristo ("Senhor Deus, Cordeiro de Deus") e assim ampliado, o texto foi introduzido na VI século, na Missa do Natal e depois em outras Missas festivas, onde permaneceu até hoje com o nome de "grande doxologia". 
O Glória, cantado ou recitado no início da Missa, constitui um apelo ao Natal inserido no coração mesmo do mistério da ceia, significando a continuidade entre o nascimento e a morte de Cristo, entre o Natal e a Páscoa, no interior de um mesmo mistério de salvação. Santo Agostinho distinguia, no seu tempo, dois modos de celebrar um acontecimento da história da salvação: a modo de mistério e a modo de simples aniversário. Na celebração a modo de aniversário, não se requer outra coisa - dizia 0 senão "indicar com uma solenidade religiosa o dia do ano no qual ocorre a recordação do próprio acontecimento"; na celebração a modo de mistério ("in sacramento"), "não só se comemora um acontecimento, mas se faz também de modo que se compreenda o seu significado e se acolha piedosamente". Ele considerava a Páscoa uma celebração mistérica, embora colocasse o Natal entre as celebrações a modo de aniversário (Sto. Agostinho, Epist. 55, 1,2; CELS 34,1. p.170). O santo falava assim porque o Natal tinha sido apenas introduzido recentemente entre as festividades da Igreja e não fora ainda aprofundado todo o seu rico conteúdo também mistérico. Nós hoje não podemos mais manter aquela distinção. O Natal que celebramos não é apenas uma "recordação", mas é um "mistério", que exige também ele ser compreendido no seu significado para nós. São Leão Magno iluminava já este significado mistérico do Natal, falando do "mistério do nascimento de Cristo" e dizendo que "os filhos da Igreja foram gerados com Cristo no seu nascimento, como foram crucificados com ele na paixão e ressuscitados com ela na ressurreição (Ser. VI di Natale, 2; PL 54,213).

CANTALAMESSA, Raniero. O Mistério do Natal. São Paulo: Santuário, 2005.

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