sábado, 31 de dezembro de 2016

O que significa o nome "anjo"?

Creio que defini corretamente o que é a hierarquia. Agora devo celebrar a hierarquia dos anjos e contemplar com os olhos supramundanos as formas sagradas que lhe atribuem as Escrituras para que, através destas místicas representações, possamos nos elevar à sua substância pura e celeste, e celebrar o princípio de toda ciência sobre a hierarquia com a devida adoração a Deus e com santíssimas ações de graças. 
Em primeiro lugar, devemos afirmar esta verdade: que a Divindade supraessencial, por sua Bondade, estabeleceu as essências de todas as coisas e lhes conferiu a existência. É algo próprio da Causa Universal, Bondade Suprema, chamar todas as coisas a unirem-se a Ela, segundo sua capacidade específica. Por isso, todas elas participaram e participam da providência que brota da Divindade supraessencial e da Causa de tudo. Com efeito, sem a participação Naquele que é a essência e o princípio de todo ser, nada existiria. Assim, mesmo as coisas inanimadas, pelo fato de existirem, participam Dela, pois todas as coisas devem sua existência à solicitude providencial de Deus, causa universal e supraessencial de tudo. Os seres viventes, por sua vez, participam da própria Potência que dá a vida e que ultrapassa toda vida. Os seres dotados de razão e inteligência participam de sua Sabedoria primordial e eterna, que ultrapassa toda razão e inteligência e que é essencial e eternamente perfeita. Sem dúvida que estes seres estão mais próximos de Deus, pois participam Dele de muitas maneiras. 
Certamente as santas ordens dos seres celestes participam da generosidade divina mais do que os seres inanimados que apenas existem, mais do que os animais irracionais e mais do que a nossa natureza racional. De fato, com sua inteligência buscam se assemelhar a Deus, numa contemplação transcendente desse Modelo sublime e sentem o desejo de configurar conforme esse Modelo a estrutura de sua própria inteligência. 

PSEUDO-DIONÍSIO. A Hierarquia Celeste: O Tratado Clássico da Angelologia Cristã - Século VI. São Paulo: Polas, 2015.

sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

Regras de ouro para ler a Bíblia

Leia a Bíblia todos os dias


É a regra de ouro por excelência: ler a Bíblia todos os dias. E todo os dias significa todos os dias. Não abra exceções. Leia quando tiver vontade e quando não tiver também. É como um remédio: com vontade ou sem vontade, a gente toma porque é necessário. Com a Bíblia é a mesma coisa. E nos tempos em que estamos vivendo, isso é uma urgência. 
Você não come todos os dias? Da mesma forma, alimente-se diariamente com a Palavra de Deus!
Assim como a gente toma banho todos os dias e, quando não podemos fazê-lo pela manhã, o corpo fica pedindo por um banho, da mesma forma acontece com a Bíblia. Se você não consegue ler durante o dia, mesmo que você não se aperceba, o seu espírito está pedindo um banho da Palavra de Deus. Não deixe de dar ao seu espírito o que você dá ou seu corpo!
Tem gente que não consegue dormir sem ter tomado um bom banho: vira e revira na cama e não consegue dormir. Que eu e você sejamos um daqueles que não conseguem dormir sem ter lido a Palavra de Deus. 

ABIB, Jonas. A Bíblia no meu dia a dia. São Paulo: Canção Nova, 2009.

quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

Como refletir a respeito da existência de Deus

Razão para crer em Deus? 

Temos algum motivo para crer que Deus existe? Pode-se aduzir motivos para nossa crença em Deus? Estas são perguntas que não podem ser respondidas sem ampla reflexão. 
Filósofos tentaram respondê-las desde a Grécia Antiga. De Platão a Aristóteles até o século atual, todo filósofo de relevo tentou dar a sua contribuição ao tema - sem argumentar contra ou a favor da razoabilidade da crença de que realmente exista um ser que corresponda à nossa noção de Deus. E, em nosso século, cientistas eminentes, até o final de suas vidas, também deram palpites sobre o assunto. 
No que diz respeito ao pensamento, vê-se que não se trata de uma questão simples. Na verdade, é um dos problemas mais difíceis de se considerar clara e convincentemente. Passei mais de cinquenta anos de minha vida filosófica pensando sobre como pensar a respeito de Deus; e agora, caminhando para o fim dela, sinto que finalmente encontrei o modo de conceber uma solução que torna a crença na existência de Deus algo aceitável - pelo menos mais do que uma dúvida racional. 
Desde o tempo em que eu estudava na Columbia University em 1921, quando li pela primeira vez o "Tratado de Deus" na Suma Teológica de Santo Tomás de Aquino, tenho nutrido uma fascinação pelos argumentos a respeito da existência de Deus. Para quem gosta de reflexão, os dois maiores temas que colocam a mente para trabalhar são física matemática e teologia especulativa. Além disso, em nosso século, os avanços na física e na cosmologia nos ajudam a refletir sobre Deus. Se a mente humana pode inferir a existência de coisas físicas tão imperceptíveis e até mesmo indetectáveis como buracos negros, talvez possa chegar um pouco mais longe e inferir a existência de um ser que está além de toda a realidade física. 
O longo de cinquenta anos tenho examinado minunciosamente os argumentos sobre a existência de Deus, lendo e relendo os livros de grandes filósofos e teólogos. Mas, em casa estágio de meu próprio desenvolvimento intelectual, encontrei falhas graves no que refleti previamente. Aula após aula, instruí de modo equivocado estudantes universitários, e, em vários estágios de minha carreira, tentei persuadi-los de que este ou aquele argumento solucionava a questão, apenas para descobrir mais tarde que tais argumentos eram falhos e não poderiam ser sustentados. 

ADLER, Mortimer J.. Como provar que Deus existe. Campinas: Vide Editorial, 2013.

quarta-feira, 28 de dezembro de 2016

Alguns conselhos para vencer as paixões e vícios e adquirir novas virtudes

O primeiro conselho: Se quiseres adquirir alguma virtude, não te sirvas de certas práticas espirituais que se baseiam nos dias da semana, um dia para uma virtude, outro dia para outra.
A ordem que deves seguir no combate é enfrentar as paixões que mais te atormentam, esforçando-te para adquirir em alto grau as virtudes contrárias. Alcançando essas virtudes, poderás facilmente obter todas as demais, logo que se apresente a ocasião, pois as virtudes estão sempre unidas e relacionadas entre si, de modo que quem possui uma perfeitamente, tem todas as demais de prontidão à porta do coração.

O segundo conselho: Nunca proponhas a ti mesma um prazo, nem de dias, nem de semanas, nem de anos, para adquirir uma virtude; mas, como se tivesses acabado de nascer, procura constantemente alcançar os mais altos graus de perfeição.
Não te detenhas por nenhum momento, pois parar no caminho da virtude e da perfeição não significa tomar fôlego e recuperar as energias, mas regredir e cair mais baixo do que antes.
Por parar, entendo eu a falsa crença de haver chegado ao cume da virtude, tendo em pouca conta as ocasiões que nos chamam a novos atos de virtude e não levando em conta as pequenas faltas.
Por isso, sê solícita, fervorosa e atenta para não perderes a mínima oportunidade de exercitar a virtude. Ama, pois, todas as ocasiões que induzem a ela, sobretudo as que nos trazem dificuldades, porque os esforços realizados para vencê-las estabelecem os hábitos com maior rapidez e profundidade. 

O terceiro conselho: Sê prudente e discreta nas virtudes que podem causar danos ao teu corpo, como são as disciplinas, os cilícios, as vigílias, as meditações e outras semelhantes, porque estas se adquirem aos poucos e de forma gradual, como logo mostrarei.

Quanto às demais virtudes puramente interiores, como o amor a Deus, o desprezo do mundo, a humilhação aos próprios olhos, o ódio das paixões e do pecado, a paciência, a mansidão, o amor por todos, inclusive pelos que nos ofendem, não é necessário que sejam adquiridas aos poucos, mas também nessas virtudes deves esforçar-te por realizar cada ato com a máxima perfeição possível.

SCUPOLI, Lorenzo. O Combate Espiritual. 4. ed. São Paulo: Cléofas, 2015.

terça-feira, 27 de dezembro de 2016

Respeito à Igreja e aos sacerdotes

A obediência e o respeito devido aos superiores devem estar unidos ao respeito à Igreja. Como cristãos, devemos venerar tudo o que está relacionado com a Igreja, especialmente o templo, chamado de casa de oração e lugar santo. Tudo o que pedimos a Deus na igreja, diante do Sacrário alcançaremos. Ah! Meu caro filho, quanto você é agradável a Jesus Cristo e que belo exemplo, quando está na igreja com devoção e recolhimento! Quando São Luiz visitava a igreja, todos desejam vê-lo e ficavam admirados com sua simplicidade e com sua presença cheia de zelo.
Quando você entrar numa igreja, evite ficar circulando e conversando; faça o sinal da cruz com a água benta, depois uma genuflexão com a devida reverência ao Sacrário, escolha um lugar e, ajoelhado, adore e reze diante da Santíssima Trindade. Evite, ao máximo, rir e conversar sem necessidade, pois o menor ruído pode atrapalhar os que estão rezando, além de ser desrespeitoso e um péssimo exemplo. Recomendo o maior respeito aos sacerdotes e aos religiosos. Receba com carinho as recomendações que derem, Deus o livre de que você chegue desprezá-los com atos ou palavras. Tendo alguns meninos escarnecido do profeta Eliseu, dando-lhe apelidos, o Senhor os castigou. Então saíram do bosque duas ursas que despedaçaram quarenta e dois deles. [2Rs 2, 24] Quem não respeita os ministros sagrados deve temer um grande castigo de Nosso Senhor. Sempre que se referir a algum clérigo, imite o jovem Luiz Comollo, que dizia: «Falar bem dos sacerdotes ou calar-se absolutamente».
Por último, quero adverti-lo de que não tenha vergonha de ser cristão fora da igreja. Sempre que passar diante de uma igreja, de uma imagem de Maria ou de algum Santo, não deixe de mostrar veneração. Dando este belo exemplo ao próximo, Deus o encherá de bênçãos.

BOSCO, São João. O Cristão bem Formado. 2. ed. São Paulo: Ecclesiae, 2014.

segunda-feira, 26 de dezembro de 2016

A Palavra ou o silêncio?

Não faltaram tentativas para mudar a solene afirmação com que João dá início a seu Evangelho: “No princípio era a Palavra”. Na antiguidade, os gnósticos propunham a variante: “No princípio era o Silêncio” e Goethe faz seu Fausto dizer: “No princípio era a ação”. É interessante averiguar como o escritor chega a esta conclusão: “Não posso, diz Fausto, atribuir à ‘palavra’ um valor tão alto; talvez deva entender ‘o sentido’, mas pode o sentido ser aquilo que tudo opera e cria? Dever-se-á, então, dizer: ‘No princípio era a força’? Também não, pois que uma iluminação, sobrevinda de improviso, sugeriu a resposta: ‘No princípio era a ação’”. São, todavia, realmente necessárias e justificáveis tais tentativas de correção? O Verbo, o Logos de João contém todos os significados assinalados por Goethe em outros termos. E isso, como podemos constatar no restante do prólogo, é luz, é vida e é força criadora. É “palavra produtiva”: “ele mandou e foram criados” (Sl 148,5). Ao falar, Deus
cria. A diferença entre uma proposição especulativa ou teórica (por exemplo, “o homem é um animal racional”) e uma proposição operativa ou prática (por exemplo, Fiat lux, “faça-se a luz”) está em que a primeira considera o elemento como já existente, ao passo que a segunda o faz existir, chama-o ao ser.
Assim sendo, o fato que no princípio era o Silêncio é verdadeiro, desde que se entenda por silêncio a ausência de toda voz e palavra de criatura; é falso, se por silêncio se entender também a ausência de palavra em Deus. E é precisamente deste silêncio das coisas, e não de um silêncio primordial, que fala o texto da Sabedoria aplicado pela liturgia ao Natal de Cristo: “Quando um tranquilo silêncio envolvia todas as coisas e a noite chegava ao meio do seu curso, a tua Palavra todo-poderosa, vinda do céu, do seu trono real, precipitou-se...” (Sb 18,14-15).
O pensamento cristão lutou para conferir à expressão “no princípio” o verdadeiro significado entendido por João. Antes de tudo, precisou libertar-se da ideia de que o Verbo foi proferido pelo Pai somente no momento de criar o mundo, quando pronunciou o fatídico Fiat lux, “faça-se a luz”. Uma solução provisória, neste sentido, consistiria em distinguir o Verbo enquanto proferido (Logos proforikos), que começa a existir no momento da criação, do Verbo enquanto inato em Deus (Logos endiathetos) que existe desde a eternidade. Entretanto, a solução definitiva só se obteve no Concílio de Niceia, em que os padres rejeitaram a ideia de que “houve um tempo em que o Verbo não existia”. O Filho de Deus é eterno também como “Verbo proferido”, pois desde sempre o Pai “pronuncia” seu Verbo e mesmo Ele próprio, enquanto Pai, não existiria ab aeterno, se ab aeterno não tivesse um Filho que é o Verbo.
O “princípio” em que João coloca a Palavra é, portanto, um princípio absoluto, que está fora do tempo. Se houver alguma alusão ao texto do Gênesis – “No princípio, Deus criou o céu e a terra” (Gn 1,1) –, deve ser entendida no sentido de que, no momento em que todas as coisas começam a existir, o Verbo “era” já existia.

CANTALAMESSA, Raniero. O Mistério da Palavra de Deus. São Paulo: Canção Nova, 2014.

domingo, 25 de dezembro de 2016

Gloria in Excelsis Deo!

Os anjos cantaram no presépio de Belém: "Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens de boa vontade". 
Jesus baixou à terra. O Princípe da paz veio estabelecer o seu reino de Amor e de Misericórdia. E nos dirá: "Eu vos dou minha paz!" A paz de Deus não é como a dos homens. Os homens procuram a paz nos tratados, dos discursos, mas guardam no coração tanto ódio e tanta maldade! A Vossa paz, doce menino do Presépio, ó adorável Menino Jesus, é a paz inalterável e doce que penetra nas profundezas do coração. Ó doce paz do Senhor, como és boa para os que te conhecem! Mas a paz se encontra na luta contra nossa ingrata e pobre natureza, rebelde à Graça. E só quem, cheio de boa vontade, abraçou a cruz de Jesus Cristo e aceitou o combate, só esse goza a verdadeira paz dos filhos de Deus. Vem daí a felicidade incomparável dos santos. Agora, mais do que nunca, o mundo tem necessidade de santos, porque o mundo tem necessidade de paz! Santos, isto é, homens de boa vontade! Precisamos de santos que preguem o amor, como São Francisco de Assis ou Santa Catarina de Sena, que assim bradava: "Paz!Paz!Paz! Nada triunfa no coração do homem como a Paz. O ódio do próximo é uma ofensa contra Deus. Devemos odiar o ódio". Venha a paz sobre o mundo, ó Menino Jesus do Presépio, venha a Paz aos nossos corações!

BRANDÃO, Ascânio. O Breviário da Confiança. 3. ed. São Paulo: Cléofas, 2014.

* O "Breviário da Confiança" é um livro do Monsenhor Ascânio Brandão que apresenta uma meditação para cada dia do ano. 


Glória a Deus e Paz aos Homens

O acontecimento do nascimento do Salvador, como aquele da encarnação, tem também no evangelho de Lucas o seu cântico e é o Glória a Deus, cantado pelos anjos na noite de Natal. Os cânticos representam - dizia - o exórdio da liturgia natalina, enquanto celebração festiva e pneumática dos eventos do nascimento e infância de Cristo. Por isso eles entraram a fazer parte, desde o início, da liturgia cristã e ocupam nela, até agora, um lugar relevante: o Benedictus, o Magnificat e o Nunc dimittis na liturgia das horas, - respectivamente nas laudes, nas vésperas e nas completas - e o Glória definitivamente na liturgia eucarística. Ao breve cântico dos anjos (Lc 2, 13-14), foram acrescentadas bem cedo, desde o II século, algumas aclamações a Deus ("Te louvamos, te bendizemos...") em uso na língua hebraica e no Novo Testamento, seguidas, um pouco mais tarde, por uma série de invocações a Cristo ("Senhor Deus, Cordeiro de Deus") e assim ampliado, o texto foi introduzido na VI século, na Missa do Natal e depois em outras Missas festivas, onde permaneceu até hoje com o nome de "grande doxologia". 
O Glória, cantado ou recitado no início da Missa, constitui um apelo ao Natal inserido no coração mesmo do mistério da ceia, significando a continuidade entre o nascimento e a morte de Cristo, entre o Natal e a Páscoa, no interior de um mesmo mistério de salvação. Santo Agostinho distinguia, no seu tempo, dois modos de celebrar um acontecimento da história da salvação: a modo de mistério e a modo de simples aniversário. Na celebração a modo de aniversário, não se requer outra coisa - dizia 0 senão "indicar com uma solenidade religiosa o dia do ano no qual ocorre a recordação do próprio acontecimento"; na celebração a modo de mistério ("in sacramento"), "não só se comemora um acontecimento, mas se faz também de modo que se compreenda o seu significado e se acolha piedosamente". Ele considerava a Páscoa uma celebração mistérica, embora colocasse o Natal entre as celebrações a modo de aniversário (Sto. Agostinho, Epist. 55, 1,2; CELS 34,1. p.170). O santo falava assim porque o Natal tinha sido apenas introduzido recentemente entre as festividades da Igreja e não fora ainda aprofundado todo o seu rico conteúdo também mistérico. Nós hoje não podemos mais manter aquela distinção. O Natal que celebramos não é apenas uma "recordação", mas é um "mistério", que exige também ele ser compreendido no seu significado para nós. São Leão Magno iluminava já este significado mistérico do Natal, falando do "mistério do nascimento de Cristo" e dizendo que "os filhos da Igreja foram gerados com Cristo no seu nascimento, como foram crucificados com ele na paixão e ressuscitados com ela na ressurreição (Ser. VI di Natale, 2; PL 54,213).

CANTALAMESSA, Raniero. O Mistério do Natal. São Paulo: Santuário, 2005.

sábado, 24 de dezembro de 2016

A Mensagem da Basílica de Santa Maria Maior, em Roma

Na estrutura interna da fé cristã, o Natal tem um significado muito especial. Não o celebramos da mesma maneira que festejamos o nascimento de grandes homens, porque a relação que temos com Cristo é muito diferente da veneração que prestamos a outras grandes personagens. O que interessa nestas são os seus feitos: os pensamentos que elaboraram e escreveram, as obras de arte que criaram e as instituições que deixaram. Os feitos pertencem-lhes e não são obras das suas mães, que só nos interessam na medida em que nos podem ajudar a esclarecer esses feitos. 
Mas Cristo não vale para nós unicamente pela sua obra, pelo que fez, mas sobretudo pelo que era e pelo que é - a totalidade da sua pessoa. Ele vale para nós mais do que qualquer outro ser humano, porque é mais do que simples homem. Ele vale porque n´Ele a terra e o céu se tocam e assim, n´Ele, Deus se torna palpável para nós. Os Padres da Igreja denominaram Maria como terra sagrada, de onde Ele foi formado como homem. O maravilhoso é que Deus, em Cristo, entrou para sempre em contato com a terra. Agostinho exprimiu assim este pensamento: Cristo não quis nenhum pai humano para que fosse visível a sua filiação divina, mas quis uma mãe humana: "Quis assumir em si o gênero masculino e na sua mãe honrou o gênero feminino... Se Cristo como homem aparecesse sem o contributo do gênero feminino, então as mulheres teriam razão para desesperar... Mas Ele quis venerar, recomendar e acolher os dois gêneros. Homens, não desespereis; Cristo dignou-se ser homem; Mulheres, não desespereis: Cristo dignou-se nascer de uma mulher. Ambos os gêneros contribuíram para a salvação: temos o masculino e o feminino - na fé não há homem nem mulher". 
Expressemo-lo de outra maneira. No drama da salvação não acontece como se Maria fizesse o seu papel e saísse de cena, como alguém que terminou a sua função. O papel da mulher na encarnação não se esgota em pouco tempo. É a permanência do ser de Deus na terra, com os homens, conosco, que também somos terra. Por isso, o Natal é uma festa de Maria e de Cristo ao mesmo tempo. Por isso, uma igreja da Natividade tem de ser uma Igreja de Maria. É com esses pensamentos que devemos olhar para a imagem antiquíssima e misteriosa, que os romanos chamam de "Salus populi Romani". 

RATZINGER, Joseph. Esplendor da Glória de Deus: Meditações para o Ano Litúrgico. Braga: Franciscana, 2005.

Penetrando na Misericórdia

Por que Deus permite o mal? Mais uma vez, o cético vai observar que Deus não deve ser de todo bom, ou então, Sua criação seria um reflexo desta perfeição; Ele não deve ser Todo-poderoso, ou então, Ele já teria consertado esse problema. 
Mas qual seria o problema se Deus tivesse usado o mal para mostrar Sua infinita bondade e poder? E se, por um ato de salvação, Ele pudesse trazer um bem ainda maior, um bem muito além da realidade do mal?
Se você já participou da liturgia da Vigília Pascal no rito latino, então já ouviu o antigo hino com a frase: "Ó feliz culpa! Ó necessário pecado de Adão!" Bem, isso deve fazer você se perguntar por que a Igreja iria comemorar um pecado e uma falta como "feliz".
Muito maior do que a queda da natureza humana, não se pode comparar ao que Deus nos deu em Cristo. Podemos dizer que Deus nos permitiu quebrar um ossos para que Ele mesmo pudesse recompô-lo, tornando-o não apenas forte, mas inquebrantável. Deus nos permitiu não somente perder a graça divina, mas também a posição que tínhamos como Seus servos, Seus escravos obedientes. Ele previu que iríamos cair. Ele não causou nossa queda, mas a permitiu livremente. E a fez a fim de trazer uma nova criação gloriosa que excedesse todas as possibilidades da natureza humana. Então, Cristo tomou nossa natureza humana decaída e, não somente a trouxe de volta à vida, mas a uniu a Si mesmo para que nossa vida restaurada fosse uma vida divina. A graça que Ele nos deu foi sua própria filiação. 

HAHN, Scott. Razões para Crer: Como entender, explicar e defender a Fé Católica. São Paulo: Cléofas, 2015.

sexta-feira, 23 de dezembro de 2016

Escritos de Fogo

Quinta carta
17(15) novembro 1896

Beatíssimo Padre

Que graça, que consolação para uma pobre filha ouvir dizer que o Sumo Pontífice é tão atencioso com ela que lhe concede a faculdade de escrever-lhe!
Único é, Santo Padre, o desejo; única, a prece que deponho aos pés de Vossa Santidade, ou melhor, no coração. E, como no precioso e Breve de 5 de maio de 1895 é declarado que Vossa Santidade funda grandes esperanças em um compromisso religioso de orações ao Divino Paráclito, animo-me a revelar que mesmo essa união de orações ao Espírito Santo é o que eu ouso pedir: uma união estabelecida, ordenada, promulgada na Igreja inteira. Em minha simplicidade, eu chamo de Cenáculo Universal essa união que sempre imploro a Deus na oração. Mas que importa o nome?
O que interessa para impetrar uma feliz renovação na Terra é a substância, e a substância é que os fiéis se unam em uma prece unânime e incessante ao Divino Espírito, para conseguir que cesse o combate teimoso do espírito infernal contra a Igreja e que a luz do Paráclito resplandeça sobre as trevas da ignorância e do erro. Assim, voltem ao seio da Igreja todos os descrentes e dissidentes. 
Recomendando ardentemente recorrer ao Espírito Santo, Vossa Santidade já deu o primeiro passo imitando São Pedro, que foi a frente preparar o Cenáculo. Mas aquela piedosa exortação de 5 de maio de 1895 ainda não está difundida entre os fiéis e tudo acabou com a Novena de Pentecostes. 

BRAGA, Eduardo. Escritos de Fogo: A correspondência profética entre a Beata Elena Guerra e o Papa Leão XIII sobre o Espírito Santo. Rio Bonito: Cenáculo Universal, 2015.

quinta-feira, 22 de dezembro de 2016

Um exorcista conta-nos

Recebi um dia a visita de Marcela, uma jovem muito loira de 19 anos, com um ar descarado. Sofria de dores lancinantes no estômago e tinha um comportamento que não conseguia dominar nem em casa, nem no trabalho: dava respostas ofensivas, ásperas, sem se conseguir segurar. Para os médicos ela não tinha nada. Quando lhe pus as mãos sobre as pálpebras, no início da bênção, ficou com os olhos totalmente revirados, com as pupilas apenas visíveis viradas para baixo, e deu uma gargalhada irônica. Só tive tempo de pensar que se tratava de Satanás, quando ouvi dizer: "Sou Satanás!" voltando a dar uma gargalhada. Marcela intensificou progressivamente a sua vida de oração, comungou com constância, rezou diariamente o terço e confessou-se todas as semanas (a confissão é muito mais forte que um exorcismo!).
O seu estado melhorou progressivamente, excetuando algumas pequenas recaídas que se verificaram quando diminuía um pouco o seu ritmo de oração. Curou-se ao fim de dois anos. 

José, 28 anos, foi visitar-me com a mãe e a irmã. Percebi logo que só tinha vindo para fazer a vontade de seus familiares. Cheirava a tabaco impregnado. Drogava-se, traficava droga e blasfemava. Inútil falar de oração e de sacramentos! Esforcei-me por levá-lo a aceitar a minha bênção de boa vontade. Mas, passados breves momentos, o demônio manifestou-se imediatamente com violência e eu não insisti. Quando eu disse ao José o que é que ele tinha, respondeu-me: "Já sabia e estou contente assim; sinto-me bem com o demônio". Não o voltei a ver. 

AMORTH, Gabriele. Um exorcista conta-nos. 6. ed. São Paulo: Paulinas, 2007.
  

quarta-feira, 21 de dezembro de 2016

Origens da idolatria

O homem criado à imagem de Deus


No princípio, o mal não existia; também não existia ainda nos santos, não existia absolutamente entre eles; mas foram os homens que na sequência começaram a imaginá-lo e a representá-lo a si mesmos para sua perda. E é porque eles imaginaram ídolos, considerando as coisas que não existem como se elas existissem. Porque o Deus criador e soberano rei do universo, que subsiste além de toda a essência e de todo o pensamento humano criou na sua bondade e beleza infinitas o gênero humano, segundo a sua própria imagem pelo seu próprio Verbo, nosso Salvador Jesus Cristo. Por sua semelhança com ele, o tornou capaz de contemplar e conhecer os seres, deu-lhe a ideia e conhecimento da sua própria eternidade, a fim de que, conservando a sua integridade, o homem não mais se afaste do pensamento de Deus e não se distancie da comunidade dos santos, mas que, conservando a graça que recebeu do Deus, conservando também o próprio poder que lhe vem do Verbo do Pai, ele viva, na alegria e na intimidade com Deus, uma vida sem inquietude e verdadeiramente feliz, uma vida imortal. Porque, nada havendo que o impeça de conhecer a divindade, sua pureza lhe permite contemplar sem cessar a imagem do Pai, o Verbo de Deus, à imagem do qual ele foi feito; e ele está repleto de admiração considerando a sua providência com relação ao universo. Ele se eleva acima das coisas sensíveis e de toda a representação corporal, e se une, pelo poder do seu espírito, às realidades divinas e inteligíveis que estão nos céus. Quando então o espírito humano não tem comércio com os corpos e não recebe de fora mistura alguma das paixões corporais, mas está totalmente no alto, vivendo com ele, ultrapassa as coisas sensíveis e todas as realidades humanas para viver lá no alto nos céus, e vendo o Verbo, ele vê também o Pai Verbo; esta contemplação o alegra e o renova no desejo que o leva até ele. 

ATANÁSIO, Santo. Contra os pagãos: A encarnação do Verbo, apologia ao imperador Constâncio.... 2. ed. São Paulo: Paulus, 2010.

terça-feira, 20 de dezembro de 2016

Outros nomes de Deus

O Deus dos patriarcas é descrito com o nome de "El" ou "Elohim". O substantivo El se encontra presente em toda a área semítica (exceto entre os Etíopes), é o nome semítico mais antigo para Deus. O significado original do nome não é seguro, mas provavelmente significa o "ser forte", "aquele que reina", "o poderoso". Este nome quer significar a potência divina, sua glória, sua superioridade. Coda afirma que o nome El deriva da raiz semítica ´il, que indica o rei ou o pai dos deuses. A Vulgata traduz El por Deus Fortis (Deus forte). O termo pode ser usado como nome genérico (divindade) ou como nome próprio. No AT, este nome pode designar seja uma divindade pagã, seja o próprio Deus de Israel. 
Israel, frequentemente, usa esse nome associando-o com um elemento de caráter pessoal. Fala-se de "El de Abraão (Gn 24,12), de "El de Isaac" (Gn 46,1) e do "El dos vossos pais" (Ex 3,13-15). Deus não esta ligado primordialmente a um lugar, mas é um "Deus pessoal", Deus de um povo. Joseph Ratzinger afirma que Deus não é entendido na sua relação com o espaço ou com o tempo, mas na relação do "Eu" e do "Tu". O seu poder não está limitado por um espaço, por nada que exista de criado; Ele acompanha o seu povo em todo lugar. 
Importante é também o plural "Elohim" (aparece cerca de 2.600 vezes na Bíblia). Apesar da forma plural, no pensamento hebraico, este termo é entendido como um singular. Provavelmente é uma dilatação do singular ´Eloah. O Plural indica que o titular do nome está acima de todos os outros deuses, representa tudo o que eles possam ser ou fazer (Elohim possui todos os atributos dos diversos El). IHWH é o verdadeiro Deus (Elohim) e nenhum outro (Dt 4,35). 
Vejamos outros nomes utilizados para designar Deus no AT: 
El Shaddai: significa provavelmente, "Deus gigantesco", "Deus onipotente" ou "Deus da montanha". A versão da LXX traduz o termo por "Pantokrátor", a Vulgata por "omnipotens" (Gn 49,25). 
El Eljon: significa provavelmente, "Deus altíssimo" ou "Deus excelso" (Salmo 83,19). 
El Olam: significa provavelmente, o "Deus antiquíssimo" (Gn 21,33) ou "Deus eterno" ou "Deus venerável". 
Elohim Sabaoth: significa "Deus dos exércitos" (Salmo 80,4). 
Adonai: provém de Adom (cananeu), torna-se o modo comum de referir-se a Deus depois do Exílio. Significa literalmente "meu Senhor", mas o uso deste termo normalmente se associava a ideia de "Senhor de toda a Terra" (Js 3,11.13; Miq 4,3) e de "Senhor os Senhores" (Dt 10,17; Salmo 136,3). Tendo em vista a riqueza de seu significado, este termo, pouco a pouco, vai, na literatura hebraica, substituindo o tetragrama santo. 

DANTAS, João Paulo de M.. Deus uno e trino: Uma introdução à teologia trinitária. Aquiraz: Shalom, 2013.

segunda-feira, 19 de dezembro de 2016

Um exame de consciência pré-comunhão

Junto à frase do Batista, a liturgia agrega outra: Felizes os convidados para a Ceia do Senhor. Uma segunda modalidade ainda diz: Felizes os convidados para o Banquete nupcial do Cordeiro, em nítida ligação com a figura cristológica do Cordeiro que domina o último bloco de ritos que antecede a comunhão. 
A explicação desta frase nasce de outra pergunta feita por Peter Seewald, quando este questionava Ratzinger sobre aqueles que estão impedidos de ter acesso à comunhão. Seewald interpelou o então cardeal deste modo: "O padre pronuncia as palavras: 'Felizes os convidados para a Ceia do Senhor'. Por conseguinte, os outros deveriam sentir-se tristes". Ratzinger responde, mostrando a origem da expressão em Ap 19,9 e o seu conteúdo escatológico: "Infelizmente, a tradução tornou o sentido da frase pouco claro. Essa expressão não se relaciona diretamente com a Eucaristia. É tirada do Apocalipse e refere-se ao convite para o Banquete nupcial definitivo, representado na Eucaristia. Quem, portanto, não pode comungar no momento, não tem de estar excluído do Banquete nupcial eterno. Trata-se sempre de um exame de consciência, de que se pense ser algum dia capaz desse banquete eterno, e que agora também se comungue, para depois encaminhar-se ao banquete. Mesmo quem agora não possa comungar é admoestado através desse apelo, como também todos os outros, a pensar no seu caminho, que um dia será aceito nesse Banquete nupcial eterno. E talvez, porque sofreu, possa ter ainda melhor aceitação". 
O Banquete eterno, do mundo futuro, de que Ratzinger fala aqui, é aquele em que será oferecido o Pão que o Pai-nosso pedia já para hoje. Cada vez que comungamos, participamos por antecipação desta mesa dos salvos. 
Como resposta à proclamação do sacerdote, os que vão comungar dizem: Senhor, eu não sou digno de que entreis em minha casa, mas dizei uma palavra e a minha alma será salva. Hoje dizemos: Senhor, eu não sou digno de que entreis em minha morada, mas dizei uma palavra e serei salvo. 

ASSUNÇÃO, Rudy Albino de. O Sacrifício da Palavra: A liturgia da Missa segundo Bento XVI. São Paulo: Ecclesiae, 2016.

domingo, 18 de dezembro de 2016

As primeiras traduções da Bíblia do português

A história da Bíblia no Brasil lança suas raízes em tempos remotos, mesmo antes da chegada dos primeiros portugueses ao Brasil, ainda em Portugal, quando foram feitas as primeiras traduções parciais do Bíblia ao português. 
Uma das principais fontes de informação para esse período continua sendo o verbete Portugaises (versions) de la Bible, no Dictionarie de la Bible, de 1912, preparado por J. Pereira. Ele remeteu a duas publicações de dom frei Fortunato de São Boaventura (1777-18440, arcebispo de Évora, que trazem informações sobre o tema. 
Em uma dessas publicações, Fortunato recolhe a informação de que um suposto bispo de Évora, de nome Gastão de Fox, teria traduzido a Bíblia do árabe ao português. Fortunato argumenta, no entanto, que essa informação é falsa. Na outra publicação, Fortunato traz informações sobre uma tradução dos Atos dos Apóstolos (Traducção do livro Actos dos Apostolos) e uma história abreviada do Antigo Testamento (Historias d´abreviado Testamento Velho, segundo o Meestre das Historias scolasticas, e segundo outros que as abreviarom, e com dizeres d´alguns doctores e sabedores). Essas traduções se econtravam em manuscritos do Mosteiro de Alcobaça, sendo que o manuscrito que contém as Historias é datado de aproximadamente 1320. Para J.Pereira, é aos monges de Alcobaça que vai a honra da primeira tradução da Bíblia ao português, ainda que parcial. 
Esse mesmo manuscrito foi publicado em 1829 pelo mesmo frei Fortunato de São Boaventura. Depois dessa época, o manuscrito se perdeu. Em 1958, houve uma nova publicação, feita no Brasil, a partir da edição de frei Fortunato, pelo filólogo Serafim da Silva Neto (1917-1967): Bíblia Medieval Portuguesa (Rio de Janeiro: Instituto Nacional do Livro, 1958). Silva Neto publicou apenas o primeiro tomo, no qual era apresentado um projeto que previa outros três tomos. Em 1992, houve uma nova edição abrangendo apenas o Pentateuco (O Pentateuco da Bíblia Medieval portuguesa. Introdução e glossário de Heitor Megale. São Paulo: Imago/EDUC, 1992). 
As Histórias não são uma tradução da Bíblia, como o próprio nome deixa perceber, mas uma "história abreviada do Antigo Testamento segundo o mestre das histórias escolásticas", Pedro Comestor, teólogo francês do século XII, que compôs uma Scholastica Historia que ia das origens do mundo ao martírio de São Pedro e São Paulo, em Roma. Sua obra, usada nas escolas medievais, conheceu ampla difusão na Europa de então. 

MALZONI, Cláudio Vianney. As edições da Bíblia no Brasil. São Paulo: Paulinas, 2016.

sábado, 17 de dezembro de 2016

A Igreja toma forma

A Igreja, do grego ekklèsia, assembléia convocada, é antes de tudo a Igreja local, a comunidade dos cristãos que moram na mesma localidade. A Igreja universal é percebida como a comunhão das diferentes Igrejas locais. 
No século II, a comunidade cristã se organiza. Os ministérios itinerantes que Paulo conheceu (apóstolo, profeta, doutor) são substituídos, pouco a pouco, por ministérios fixos, feitos para estruturar uma comunidade chamada a durar (estamos cada vez menos em um contexto de espera escatológica, em que o retorno de Cristo é percebido como iminente). Esses ministérios são os dos bispos, padres e diáconos. 
Bispo (do grego episkopos, aquele que vigia) e padre (do grego presbyteros, o antigo) são, no início, palavras sinônimas (em Clemente de Roma, no fim do século I, e ainda, me parece, em Ireneu, no fim do século II), frequentemente empregadas no plural: a responsabilidade das comunidades devia ser confiada, coletivamente, a um grupo de "antigos". O diácono (do grego diakonos, servo), é o colaborador do bispo para funções mais materiais ou caritativas. 
Ao lado desses ministérios principais, há "ordens menores", sobretudo femininas: a das viúvas (logo suplantadas em suas funções pelas diaconisas) e das virgens. 
No decorrer do século II, impõe-se um novo funcionamento, mais "monárquico" (de onde provém seu nome entre os historiadores, episcopado monárquico): já então um único responsável pela comunidade, o bispo, centro da Igreja local. Tudo se faz em união com ele. A evolução teve que se fazer progressivamente, sem dúvida com diferenças muito grandes, de acordo com as regiões, e não sem resistências. As cartas de Inácio de Antioquia, no início do século II, afirmam muito fortemente essa função do bispo: 
Todos sigam o bispo como Jesus Cristo segue seu Pai; sigam o presbítero como os apóstolos; respeitem os diáconos como um mandamento de Deus. Que ninguém faça o que quer que seja que se refira à Igreja fora do consentimento do bispo. A eucaristia que devemos considerar como certa é a que se faz com a autoridade do bispo ou daquele a quem ele deu o mandato. Lá onde aparece o bispo, que lá também esteja o povo, do mesmo modo que lá onde está o Cristo Jesus, lá esteja a Igreja Católica. Fora do consentimento do bispo, não é permitido batizar, nem realizar o ágape; mas tudo o que ele aprova é também agradável a Deus. Assim, tudo o que se faz será firme e certo (Inácio de Antioquia, Lettre aux Smyrniotes 8, Paris, Le Cerf, 1998 (Col, Sources chrétiennes 10 bis, reed). 

MEUNIER, Bernard. O nascimento dos dogmas cristãos. São Paulo: Loyola, 2005.

sexta-feira, 16 de dezembro de 2016

16 de Dezembro - Vantagens da paciência nas enfermidades

São tantas e tão consoladoras as vantagens da paciência nas enfermidades que impossível seria enumerá-las todas. Vejamos algumas. "A paciência - diz o Pe. Lapuente - coloca-nos no auge da vida cristã, porque ela, segundo o apóstolo São Tiago, é a que faz a obra perfeita e dela, como diz a Glosa, nasce a perfeição, à qual se chega pelos oitos degraus das bem-aventuranças que Cristo Nosso Senhor pregou na Montanha. E, dessas bem-aventuranças, a última consiste na paciência. "A paciência é, pois a pedra de toque para conhecer os graus da santidade, conforme o que diz o sábio: " A doutrina do varão se conhece na paciência, porque, sabendo sofrer, descobre que tem a verdadeira sabedoria e conforma a vida com ela". A paciência é o sinal certo do amor que temos a Deus. Torna-nos semelhantes a Jesus Cristo Nosso Senhor, cuja vida foi toda um exercício de paciência. Faz ainda mártires, porque não pequeno martírio é superior, sem queixas, blasfêmias e ira, tantas dores da enfermidade. "A paciência - diz Santo Agostinho - vence todas as coisas adversas, não lutando, não sofrendo, não murmurando, mas dando graças a Deus por tudo!" A paciência livra dos males eternos, alcança a coroa de glória, fecha a porta do inferno e abre a do Paraíso. É a doença uma boa escola de santidade, porque, sofrendo, exercita a alma na paciência e a paciência leva à perfeição do Amor. 

BRANDÃO, Ascânio. O Breviário da Confiança. 3. ed. São Paulo: Cléofas, 2014.

* O "Breviário da Confiança" é um livro do Monsenhor Ascânio Brandão que apresenta uma meditação para cada dia do ano. 

quinta-feira, 15 de dezembro de 2016

"De onde és Tu?" (Jo 19,9) - A pergunta sobre a origem de Jesus como questão acerca do seu ser e da sua missão

Depois da dispersão da humanidade na sequência da construção da Torre de Babel, é com Abraão que começa a história da promessa. Abraão alude, antecipadamente, àquilo que deve vir; ele é peregrino não só saindo do país das suas origens para a terra prometida, mas também enquanto sai do presente para se encaminhar rumo ao futuro. Toda a sua vida aponta para a frente, possui uma dinâmica que o faz caminhar pela estrada do que deve acontecer. Por isso, justamente a Carta aos Hebreus o apresenta como peregrino da fé apoiada na promessa: ele "esperava a cidade que tem fundamentos, cujo arquiteto e construtor é o próprio Deus" (Heb 11,10). Para Abraão, a promessa refere-se primariamente ao seu descendente, mas vai mais longe: "Por ele serão benditas todas as nações da terra" (Gn 18,18). Assim. em toda a história que começa com Abraão e se dirige para Jesus, o olhar fixa-se no conjunto: através de Abraão, deve vir uma bênção para todos. 
Por isso, já desde o início da genealogia, o olhar volta-se para conclusão do Evangelho, onde o Ressuscitado diz aos discípulos: "Fazei que todas as nações se tornem discípulos" (Mt 28, 19). Em todo caso, na história particular apresentada pela genealogia, está presente, desde o início, a tensão para a totalidade; a universalidade da missão de Jesus está incluída neste "de onde" é Ele. 
Mas a estrutura da genealogia e da história por ela narrada está determinada totalmente pela figura de Davi, do rei a quem fora feita a promessa de um reino eterno: "O teu trono se estabelecerá para sempre" (2Sm 7,16). A genealogia, que Mateus apresenta, está modelada com base nessa promessa. Está estruturada em três grupos de 14 gerações: primeiro subindo de Abraão até Davi, depois descendo de Salomão até o exílio da Babilônia, para em seguida subir de novo até Jesus, em quem a promessa alcança a sua realização. Aparece o rei que permanecerá para sempre, mas completamente diferente daquilo que se poderia imaginar com base no modelo de Davi. 
Essa estrutura torna-se ainda mais clara se tivermos em mente que as letras hebraicas do nome de Davi totalizam o valor numérico de 14, e assim, a partir do simbolismo dos números, Davi, o seu nome e a sua promessa caracterizam o caminho de Abraão até Jesus. Com base nisso, poder-se-ia dizer que a genealogia com os seus três grupos de 14 gerações é um verdadeiro Evangelho de Cristo Rei: a história inteira aponta para Ele, cujo trono estará firme para sempre. 

Ratzinger Joseph - Bento XVI. A infância de Jesus. São Paulo: Planeta, 2012.

quarta-feira, 14 de dezembro de 2016

O que é a lei do Espírito e como atua

A lei nova, ou do Espírito, não é, por isso, em sentido estrito, a mesma promulgada por Jesus no sermão da montanha, mas sim aquela por Ele gravada nos corações no dia de Pentecostes. Os preceitos evangélicos são, com certeza, mais elevados e perfeitos do que as prescrições mosaicas; todavia, por si sós, também eles teriam permanecido ineficazes. Se fosse suficiente proclamar a nova vontade de Deus por meio do Evangelho, não haveria a necessidade da morte de Jesus e a vinda do Espírito Santo. Entretanto, os próprios apóstolos demonstram que não era suficiente; apesar de terem ouvido tudo - por exemplo, que é preciso oferecer, a quem nos bate, a outra face -, no momento da paixão, não encontram a força para cumprir nenhuma das prescrições de Jesus. 
Se Jesus tivesse se limitado a promulgar o mandamento novo, dizendo: "Eu vos dou um novo mandamento: amai-vos uns aos outros" (Jo 13,34,a), Ele teria permanecido, como era antes, lei velha, "letra". É quando Ele, no Pentecostes, mediante o Espírito, infunde aquele amor nos corações dos discípulos que o mandamento se torna, a pleno título, lei nova, lei do Espírito que dá a vida. É pelo Espírito que tal mandamento é "novo", e não pela letra. Pela letra era antigo, pois já se encontra no Antigo Testamento (cf. Lv 19,18). 
Portanto, sem a graça interior do Espírito, mesmo o Evangelho, mesmo o mandamento novo, teria permanecido lei velha, letra. Retornando um pensamento ousado de Santo Agostinho, São Tomás de Aquino escreve: 

Entende-se por letra toda lei escrita que permanece
do lado de fora do homem, incluindo os preceitos
morais contidos no Evangelho; pelo que, também
a letra do Evangelho levaria à morte, se não se
acrescentasse, dentro dela, a graça da fé que cura. 

O conceito que escreveu um pouco antes é ainda mais explícito: "A lei nova é principalmente a própria graça do Espírito Santo que é dada aos crentes". 

CANTALAMESSA, Pe. Raniero. Espírito Santo: Princípio de Vida Nova. 2. ed. São Paulo: Canção Nova, 2013.

terça-feira, 13 de dezembro de 2016

A comunidade cristã de Corinto

A Igreja que Paulo deixa em corinto, depois de um ano e meio de atividade missionária e de trabalho pastoral, se compõe de vários grupos cristãos, quer residentes na cidade quer espalhados pelos arredores. É uma Igreja ativa e cheia de iniciativas, que Paulo visitará várias vezes e para a qual escreve diversas cartas. Duas foram conservadas com o título de "primeira e segunda Carta aos Coríntios". A partir desse testemunho pessoal paulino é possível fazer uma ideia mais precisa da origem social e cultural dos cristãos de Corinto, da organização da Igreja coríntia, de seus problemas internos e de sua relação com o ambiente religioso e cultural da cidade. 
Na primeira carta à "Igreja de Deus que está em Corinto", Paulo escreve: "Sem cessar, agradeço a Deus por causa de vocês, em vista da graça de Deus que lhes foi concedida em Jesus Cristo. Pois em Jesus é que vocês receberam todas as riquezas, tanto da palavra quanto do conhecimento. Na verdade, o testemunho de Cristo tornou-se firme em vocês, a tal ponto que não lhe falta nenhum dom[...]" (1 Cor 1,4-7a). São os dons espirituais, chamados em grego de charísmata, aos quais os cristãos de Corinto são levados, principalmente para as manifestações da linguagem extática. Em sua carta, Paulo dá instruções para avaliar e exercer de modo ordenado e construtivo tais carismas. Como linha de princípio, ele aprecia e encoraja essas experiências que remontam à ação de Deus por meio do Espírito Santo, comunicado aos fiéis por Jesus Cristo, o Senhor ressuscitado. 
Nas duas cartas aos coríntios, Paulo se apresenta como o único fundador da Igreja de Corinto, embora reconheça a contribuição de seus colaboradores no anúncio do Evangelho (2Cor 1,19). Como um arquiteto competente, ele colocou o alicerce, que é Cristo. Os que vieram depois trabalharam no campo ou no edifício de Deus, que é a comunidade dos fiéis (1Cor 3, 1-10). Com efeito, depois do primeiro anúncio do Evangelho, que deu origem à Igreja de Corinto, chegaram outros pregadores itinerantes. Entre eles, se destaca o alexandrino Apolo, que fascinou os coríntios com a sua habilidade no falar. Paulo, porém, reivindica seu papel de pai em relação aos cristãos de Corinto e se apóia nessa função paterna para intervir até mesmo com vigor e autoridade. Ele escreve o seguinte: "De fato, ainda que vocês tivessem dez mil pedagogos, em Cristo, não teriam muitos pais, porque fui eu quem gerou vocês em Jesus Cristo, através do Evangelho" (1Cor 4,15). 

FABRIS, Rinaldo. Paulo: Apóstolo dos gentios. 6. ed. São Paulo: Paulinas, 2010.

segunda-feira, 12 de dezembro de 2016

Aparecem os Padres da Igreja

Entre  350 e 450, os dois Impérios entram num período confuso. Para os contemporâneos, nada se arrisca. Muito poucos deles entrevêem o futuro: o enfraquecimento da romanidade lhes parece impensável. Contentam-se então com aproximações: Roma e Constantinopla enfrentam numerosos inimigos. Mas esta é a sorte comum do Império. Para os cidadãos romanos, o presente parece eterno. Quase ninguém além de Agostinho imaginará o esboroamento. 
Nesses poucos séculos apareceram aqueles que forma qualificados com a expressão "Padres da Igreja". São, no máximo, 15. De certa forma, são parecidos - embora, na maioria, não se conheçam. O que é certo que se leram. Como se tivessem tentado ao mesmo tempo para fazer a fé e compreender melhor a Igreja. Hoje, diríamos que eles eram intelectuais no mais alto grau. Engajados nas querelas da cidade - teológicas e políticas - mas, entretanto, preocupados, antes de tudo, com a natureza e o futuro de sua fé. 
O povo e muitos cristãos não se lembram bem de seus nomes. No entanto, é preciso enumerá-los. Durante o que foi, para alguns, um período de paz relativa e, para outros, um combate incessante, eles consolidaram as bases teológicas da Igreja. 
O primeiro foi Santo Atanásio. Ele nasceu em 295, numa família grega de Alexandria. Secretário do bispo - antes dos 30 anos -, ele acompanha o patriarca Alexandre, bispo da cidade, a Nicéia. Em 328, sucede a ele. Atanásio é um pregador. Defende obstinadamente o Credo estabelecido em Nicéia. Precisa justificar-se aos olhos de Constantino, que, como vimos, mudou de opinião. Foi exilado cinco vezes durante sua existência. Até seus últimos dias, pregou nas comunidades cristãs do deserto, enquanto mandava construir novas igrejas. Morreu no que lhe fazia as vezes de cama, em 373. 

SUFFERT, Georges. Tu és Pedro. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.

domingo, 11 de dezembro de 2016

Por amor à Liturgia

A importância de se amar a Liturgia

1. Não se ama o que não se conhece. Esta acaba sendo uma verdade dificilmente contestada, especialmente em relação ao assunto tratado: a Sagrada Liturgia. Só se pode amar verdadeiramente a Santa Liturgia se ela é conhecida. 
2. Quando se vai à Santa Missa, é necessário lembrar-se que não se está apenas em uma reunião fraterna que acontece uma vez na semana. Por mais que este quesito esteja incluído na Liturgia, ela o ultrapassa exponencialmente. 
3. O Catecismo da Igreja Católica é bastante claro ao definir a Liturgia Eucarística como algo sublime e divino: "A Eucaristia é 'fonte e ápice de toda a vida cristã'. 'Os demais sacramentos assim como todos os ministérios eclesiásticos e tarefas apostólicas, se ligam à Sagrada Eucaristia e a ela se ordenam. Pois a Santíssima Eucaristia contém todo o bem espiritual a Igreja, a saber, o próprio Cristo, nossa Páscoa'". Quando participa da Santa Missa o fiel se encontra aos pés do Calvário, com Maria Santíssima, participando ativamente do Único Sacrifício Redentor de Cristo. Da mesma forma, na Santa Missa se está junto ao Senhor Ressuscitado, vencedor da morte, que reconciliou o mundo com Deus e concedeu à humanidade a vida plena e em abundância. É na Santa Missa que se está diante do Emanuel (cf. Is 7,14 e Mt 1,23), o Deus Conosco, que antes de partir para os Céus deu-se em alimento para seus Discípulos mandando que repetissem sempre o mesmo gesto "em memória de mim" (Lc 22,19). 

SILVA, Michel Pagiossi. Entrarei no Altar de Deus: Cerimonial da Sagrada Liturgia no Rito Romano - Volume I. 2. ed. São Paulo: Cultor de Livros, 2014.

sexta-feira, 9 de dezembro de 2016

A lei do incógnito

“Por isso mesmo encontramos na Bíblia repetidamente a ideia de que Deus se manifesta ao mundo de maneira dupla. Deus se revela certamente na força cósmica. A grandeza do logos do mundo, que ultrapassa todo o nosso pensar e ao mesmo tempo o abarca, remete àquele cujo pensamento é esse mundo, e diante do qual os povos nada mais são do que “uma gota caindo de um balde” e “pó numa balança” (Is 40, 15). O universo é realmente um testemunho de seu criador. Por mais que resistamos às provas da existência de Deus, por mais objeções que a reflexão teológica, justificadamente, levante contra os diversos passos usados nessas provas, não se pode negar que o mundo e a sua estrutura espiritual fazem vislumbrar um pensamento criador original e o seu poder fundador.
Mas essa é apenas uma das maneiras de Deus se manifestar no mundo. O outro sinal colocado por ele e que o mostra mais adequadamente em seu verdadeiro ser, justamente por ocultá-lo mais, é o sinal do insignificante que não tem nenhuma importância em termos cósmicos quantitativos, sendo antes um verdadeiro nada. Poderíamos citar a série TERRA-ISRAEL-NAZARÉ-CRUZ-IGREJA, na qual Deus parece sumir cada vez mais no menos importante, revelando-se justamente dessa maneira como ele próprio. Aí está a Terra, um nada no cosmos,
escolhida por ele para ser o cenário de sua ação. Aí está Israel, um nada entre as potências, escolhido por ele para ser o cenário de sua aparição no mundo. Aí está Nazaré, outro nada dentro de Israel, escolhido para ser o lugar de sua vinda definitiva. E, finalmente, está aí a cruz em que pende um homem, uma existência fracassada, e é justamente nele que podemos tocar Deus até fisicamente. E aí está também a Igreja, a figura discutível de nossa história, que afirma de si mesma ser o lugar permanente de sua revelação. Hoje temos consciência plena de que também nela a proximidade de Deus pouco perdeu de sua característica oculta. Justamente na ostentação principesca da Renascença, quando a Igreja pensava poder reverter essa ocultação de Deus, para ser diretamente a “porta do céu” e a “casa de Deus”, ela se transformou mais uma vez e mais do que antes no incógnito de Deus, tanto assim que ele praticamente desapareceu atrás de tanto esplendor.
O verdadeiro sinal de que Deus é o insignificante em termos cósmicos e mundiais, porque este
remete para uma realidade totalmente diferente que é mais uma vez o incognoscível ante as nossas expectativas. O nada cósmico é o verdadeiro tudo, porque o ser “em prol de” é a característica do verdadeiro divino...”

RATZINGER, Joseph. Introdução ao Cristianismo: Preleções sobre o Símbolo Apostólico. 7ª. ed. São Paulo: Loyola, 2014.


* o trecho acima faz parte do “Excurso: Estruturas da fé cristã”, onde Ratzinger disserta sobre os tópicos: o indivíduo e o todo; o princípio “em prol de”; a lei do incógnito; a lei da superabundância; irreversibilidade e esperança; o primado do recebimento e a positividade cristã; a natureza do cristianismo.