terça-feira, 28 de fevereiro de 2017

A invasão vertical dos Bárbaros

Não é possível que a Igreja Católica e os protestantes queiram fazer alguma coisa de mais sério se não preparam devidamente os seus homens. Não é possível fabricar padres como se fabricam salsichas. A vida pastoral não é tão simples como parece a muitos. E, ademais, ele não encontrar pela frente apenas pessoas que precisam de amparo religioso, mas que precisam também de um forte amparo moral e filosófico. O clero não pode deixar de reconhecer essa necessidade. Por isso não é admirar que inúmeros padres, sobretudo na América Latina, escolhem o lado do comunismo para lutar, julgando que é o único caminho que ainda oferece uma solução para resolver os problemas sociais que surgem neste parte do mundo, dos mais agudos que existem. 
A ignorância do clero sobre matéria social é lamentável. Havendo doutrinas sociais democráticas, libertárias e totalitárias, preferem esses homens as duas últimas, as mais contrárias ao verdadeiro espírito cristão, embora mais agradáveis ao espírito de sacerdotes cesariocratas, que julgam que irão abiscoitar a revolução social para o seu lado, imaginando que os comunistas vão ser tão ingênuos que, quando vitoriosos, se um dia tal desgraça acontecesse no mundo, iriam poupar a Igreja e admitir que o clero participasse também do poder. 

SANTOS, Mário Ferreira. Invasão vertical dos Bárbaros. São Paulo: É Realizações. 2015

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2017

Deus, portanto dá carta branca ao diabo?

Santo Agostinho sustenta que, se o diabo tivesse carta branca de Deus, "nenhum de nós permaneceria vivo". 
"O poder de Satanás não é infinito - lê-se no n. 395 do Catecismo da Igreja Católica. Ele não é mais que uma criatura, potente pelo fato de ser puro espírito, mas embora sempre uma criatura: não pode impedir a edificação do reino de Deus. 
Embora Satanás aja no mundo por ódio contra Deus e o seu reino em Cristo Jesus e, embora a sua ação cause graves danos da natureza espiritual e indiretamente também de natureza física para todo homem e para a sociedade, esta ação é permitida pela divina Providência, a qual guia a história do homem e do mundo com força e doçura. A permissão divina da atividade diabólica é um grande mistério, mas "nós sabemos que tudo concorre para o bem daqueles que amam a Deus" (Rm 8,28). 
Eis então que nós nos confiamos a Jesus Cristo, o Filho de Deus feito homem, que veio "para destruir as obras do diabo" (1 Jo 3,8) onde libertar nós seres humanos da escravidão de Satanás, Jesus Cristo expulsa "os demônios com o dedo de Deus" (Lc 11,20), no sentido de que consegue amarrar Satanás, privá-lo de tudo, também do seu reino, que está para acabar. A mesma coisa faz hoje sobre a terra mediante a Igreja e os sacerdotes exorcistas: "eu expulso demônios - vem reafirmando - e faço curas hoje e amanhã; e no terceiro dia chegarei ao termo" (Lc 12,32). 
Portanto, estejamos tranquilos, porque da nossa parte temos o Forte e a Igreja, como veremos em breve. 

AMORTH, Gabriele. Deus é mais belo que o diabo. São Paulo: Fons Sapientiae: 2016. 

domingo, 26 de fevereiro de 2017

Frequência das tentações

A frequência e violência das tentações variam em extremo: há almas que são amiudada e violentamente tentadas; outras há que o são apenas raras vezes e sem se sentirem profundamente abaladas. Muitas são as causas que explicam esta diversidade.
a) Em primeiro lugar, o temperamento e o caráter: há pessoas extremamente apaixonadas e ao mesmo tempo fracas de vontade, frequentemente acometidas e perturbadas pela tentação; outras, bem equilibradas e enérgicas, que não são tentadas senão raramente e conservam a serenidade no meio da tentação.
b) A educação origina outras diferenças: há almas educados no temor e amor de Deus, no cumprimento habitual do dever austero, que não receberam quase senão bons exemplos; outras, pelo contrário, foram educadas no amor do prazer e no horror de qualquer sofrimento, e não viram quase senão exemplos de vida mundana e sensual. É evidente que as segundas serão mais violentamente tentadas que as primeiras. 
c) É necessário também ter em conta os desígnios da Providência: há almas que Deus chama a um alto grau de santidade e que preserva de toda a mácula com o mais desvelado carinho; outras que destina também à perfeição, mas que quer fazer passar por árduas provações, a fim de as robustecer na virtude; outras, enfim, que Deus não chama a estado tão elevado e que serão mais frequentemente tentadas, se bem que nunca acima das suas forças. 

TANQUEREY, Ad. Compêndio de Teologia Ascética e Mística. Portugal: Porto. 1961

sábado, 25 de fevereiro de 2017

A via ordinária da ação diabólica: tentação e pecado

A missão de Satanás é explicada claramente pelo apóstolo São Pedro: "O vosso inimigo, o Diabo, é como um leão rugindo em torno, procurando a quem devorar" (1 Pedro 5,8). Podemos interpretar a palavra "devorar" como "causar dano", "levar à perdição". Sua missão no mundo consiste em seduzir as almas, conduzir cada homem e cada mulher pelos péssimos caminhos do pecado. Nessa trágica missão, a via mestra é o percurso ordinário da tentação. Contra as tentações que visam nos levar ao pecado, cada um deve combater até o último dia. De fato, o pecado conduz à morte. 
Não deve surpreender a minha afirmação de que a via ordinária faz mais vítimas do que a via extraordinária, sobre a qual falaremos adiante. Por meio da primeira, todos somos vítimas; por meio da via extraordinária, somente algumas pessoas, além disso, muitas vezes sem culpa própria e, portanto, sem responsabilidade moral. A tentação nos assalta todo santo dia. Até Jesus aceitou sujeitar-se a ela durante os quarenta dias que passou no deserto, após ter sido batizado no Jordão (cf. Mateus 4,1ss), e também depois disso. Tenta-nos Satanás agindo em nossa esfera natural, isto é, ora levando em conta nossas feridas interiores e as fraquezas de cada um, ora por meio das ocasiões próximas de pecado que se apresentam a todos. 
A tentação é perigosa porque nem sempre é fácil de ser descoberta nos recantos de nossos pensamentos, palavras, obras e omissões. É preciso ter discernimento, um olhar e uma inteligência espiritual adestrada para reconhecer o guiso do tentador e recusar aquilo que nos conduz diretamente ao pecado, aceitando, ao invés, as boas aspirações que provém de Deus. Para isso é necessário guardar o nosso coração e nossos sentidos externos dos espetáculos indecentes. Cada um de nós se torna tudo o que vê, o que ouve, além do que lê. Discernimento, pois! E escolha de boas amizades. 

AMORTH, Gabriele. O exorcista explica o mal e suas raízes. Rio de Janeiro: Petra. 2016

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2017

Como se deve ouvir e ler a Palavra de Deus

Deves ter um gosto especial em ouvir a Palavra de Deus, mas ouve-a sempre com atenção e respeito, quer no sermão, quer em conversas edificantes dos teus amigos que gostam de falar em Deus. É a boa semente, que não se deve deixar cair em terra. Aproveita-te bem dela; recebe-a no teu coração como um bálsamo precioso, à imitação da Santíssima Virgem, que conservava no seu peito, cuidadosamente, tudo o que ouvia dizer de seu Divino Filho, e lembra-te sempre que Deus não ouvirá favoravelmente as nossas palavras na oração se não tirarmos proveito das suas nos sermões. 
Tem sempre contigo um bom livro de devoção, como os de São Boa Ventura, o Combate Espiritual, as Confissões de Santo Agostinho, as Epístolas de São Jerônimo e outros semelhantes. Lê-o por algum tempo todos os dias, mas com tanta atenção como se um santo to enviasse expressamente para te ensinar o caminho do céu e encorajar-te a trilhá-lo. 
Lê também as vidas dos santos, onde verás, como em um espelho, o verdadeiro retrato da vida devota, acomodando os seus exemplos aos deveres do teu estado. Pois, embora muitas ações dos santos não possam ser imitadas por pessoas que vivem no século, contudo, de perto ou de longe, todas elas podem ser seguidas. Imita a grande solidão de São Paulo, o primeiro eremita, pela solidão espiritual, do teu coração e pelo recolhimento assíduo, segundo as tuas forças; ou, então, a pobreza extrema de São Francisco, por certas práticas de pobreza que ainda hei de falar. Entre as vidas dos santos e santas há algumas que espalham luz em nossa mente para a direção de nossa vida, como a da bem-aventurada Madre Teresa, o que torna a sua leitura admirável, as dos primeiros Jesuítas, a do cardeal São Carlos Borromeu, de São Luís, de São Bernardo, as "Crônicas" de São Francisco e outros livros semelhantes. 

SÃO FRANCISCO DE SALES. Filoteia. Petrópolis: Vozes. 2012

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2017

Exortação à procura da felicidade em Deus

Se te agradam os corpos, louva a Deus por eles e dirige o teu amor a quem os criou, para não lhe desagradares ao encontrar prazer em tais criaturas. Se te agradam as almas, ama a elas em Deus, pois são também mutáveis e somente nele tornam-se estáveis; de outro modo, passariam e pereceriam. Portanto, é em Deus que deves amá-las; leva-as contigo até ele, dizendo-lhes: "Amemos, amemos a Deus!" Foi ele o criador dessas realidades, e delas não está longe, pois não as abandonou depois de criá-las. Dele elas vêm e nele existem. Ele está onde se saboreia a verdade. Ele está no íntimo do nosso coração; mas o coração se afastou dele. 
"Voltai aos vossos corações, pecadores", e ligai-vos àqueles que vos criou. Firmai-vos nele e sereis estáveis. Repousai nele e tereis a paz. Por que ir à procura de sofrimento? Aonde quereis ir? O bem que amais procede dele, mas só é bom e suave quando para ele é dirigido. Torna-se justamente amargo, porque, se abandonamos a Deus, torna-se injusto amar aquilo que dele deriva. Por que percorrer ainda esses caminhos ásperos e difíceis? A paz não está onde a procurais. Procurai o que procurais, mas não está onde a procurais. Procurais a vida na região da morte. Como poderá haver vida feliz onde nem sequer existe vida? 

SANTO AGOSTINHO. Confissões. São Paulo: Paulus. 2014

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2017

O Credo do Povo de Deus

Cremos que a Missa, celebrada pelo Sacerdote, que representa a pessoa de Cristo, em virtude do poder recebido no sacramento da Ordem, e oferecida por ele em nome de Cristo e dos membros do seu Corpo Místico, é realmente o sacrifício do Calvário, que se torna sacramentalmente presente em nossos altares. Cremos que, como o pão e o vinho consagrados pelo Senhor, na última ceia, se converteram no seu corpo e sangue, que logo iam ser oferecidos por nós na cruz, assim também o pão e o vinho consagrados pelo sacerdote se convertem no corpo e sangue de Cristo que assiste gloriosamente no céu. Cremos ainda que a misteriosa presença do Senhor, debaixo daquelas espécies que continuam aparecendo aos nossos sentidos do mesmo modo que antes, é uma presença verdadeira, real e substancial. 

Paulo VI, Papa. O Credo do Povo de Deus. A profissão de fé de Paulo VI. São Paulo: Paulinas. 2014

terça-feira, 21 de fevereiro de 2017

Uma missão para Catarina (18 de julho de 1830)

Na noite de 18 de julho era justamente Madre Marthe quem dava instruções ao noviciado. Era a véspera  da festa de São Vicente. Ela evocava calorosamente a piedade do fundador pela Virgem Maria, e Catarina embebia-se de suas palavras. Catarina tinha visto São Vicente, tinha visto Nosso Senhor... Não tinha visto a Virgem Santa. E ei-la transportada por um novo elã: "Eu me deitei com a ideia de que nessa mesma noite eu veria minha boa Mãe. Havia muito que desejava vê-la!"
E foi o que aconteceu.
Finalmente, às onze e meia da noite, ouvi um chamado: 
- Irmã, irmã!
Despertei e olhei para o lado de onde vinha a voz, do lado do corredor. Abri a cortina. Vi então uma criança vestida de branco, de uns 4 ou 5 anos de idade, que me dizia:
- Levanta-te depressa e vá à capela, a Virgem Santa a espera!
De imediato, veio-me à mente:
- Mas ela vai me esperar?
A criança me respondeu (mentalmente):
- Fique tranquila, são onze e meia, todos estão dormindo. 
Venha, estou esperando. 
[...]
A criança me conduziu para dentro do Santuário, ao lado da poltrona do Senhor Diretor. Lá me pus de joelhos, e a criança permaneceu em pé o tempo todo. Como julgasse haver demora, olhei para verificar se as vigilantes não passavam pela tribuna. Por fim, chegava a hora, preveniu-me a criança, dizendo:
- Eis a Virgem Santa! Ei-la;

LAURENTIN, René. Catarina Labouré. Mensageira de Nossa Senhora das Graças e da Medalha Milagrosa. São Paulo: Paulinas. 2009. 

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017

Recriar a vida: oitavo dia da criação?

O crescente conhecimento científico e poder de intervenção sobre a vida humana que a humanidade conquistou nos últimos anos, especificamente na área da biologia e genética, com possibilidade real de re-criação da vida, assusta muita gente. Manchetes na mídia alardeiam, com frequência, a expressão os "cientistas não deveriam brincar de Deus". Temos uma questão teológica implícita nessa frase. 
Na maioria das vezes, a expressão "brincar de Deus" destina-se a proibir certas formas de pesquisa científica e terapia médica, significando que o ser humano não tem o direito de alterar os planos estruturais dos organismos vivos, inclusive do seu próprio, pois isso se constituiria em uma usurpação do privilégio de Deus criador. A todo e qualquer avanço científico, levanta-se a placa: "Não brincarás de Deus". Diante dos extraordinários progressos da biotecnologia, a expressão bíblica de que o ser humano foi criado à "imagem e semelhança de Deus" está sendo substituída por outra: "Autocriado à sua própria imagem e semelhança". Quando do anúncio da clonagem de Dolly em 1997, perguntou-se se tal fato seria um "milagre pelo qual deveríamos agradecer a Deus ou se se constituiria numa nova e abominável forma de tomarmos o lugar de Deus". 
O conceito de criação inclui a noção da imago Dei, como afirmam teólogos contemporâneos, o ser humano é "co-criador criado" de Deus. Claro que aqui temos uma tensão. De um lado, a vocação bíblica do ser humano, que leva adiante a obra do Criador, e de outro temos a tendência prometéica de este ser querer tornar-se Deus. A expressão "co-criador criado" implica ver que a criação ou a natureza não são estáticas, mas estão num processo de evolução da creatio contínua de Deus. O ser humano continua a criação, desvendando os segredos e mistérios da criação, aperfeiçoando-a. 

PESSINI, Léo, Bioética. Um grito por dignidade de viver. São Paulo: Paulinas. 2009


domingo, 19 de fevereiro de 2017

A importância da experiência salvífica

Portanto, dado central de nossa fé é o fato de que Deus interveio em nossa história por seu Filho Jesus Cristo, constituindo esta iniciativa absolutamente livre de Deus uma interpelação para nós. Acolhendo-a, deixando que polarize, hierarquize e estruture todas as dimensões de nossa pessoa, respondemos ao gesto gratuito de Deus, assumimos o sentido último de nossa existência, dispomos de uma referência para nosso agir, concebemos nossa história como um projeto a ser realizado, em suma, vivemos como cristãos. 
Esse acolhimento nos atinge profundamente porque afeta o âmbito mais central de nossa pessoa, como seres dotados de razão e liberdade, que não se satisfazem em vegetar ao longo da vida, apenas distraídos e entretidos por problemas cotidianos e por preocupações superficiais. Atingido-nos profundamente, esse envolvimento com o convite divino torna-se uma experiência totalizante, que ilumina e estrutura a multiplicidade de experiências que constituem nossa história pessoal. 
Naturalmente nessa experiência, feita igualmente pelos primeiros cristãos, encontra-se implicada toda a riqueza da fé cristã: a pessoa de Jesus Cristo, a imagem de Deus que nos revelou, sua concepção do ser humano, da sociedade e da história, suas referências éticas, sua visão do além, sua resposta ao angustiado anseio de homens e mulheres por felicidade e imortalidade. Nada mais natural que, no curso dos anos, a reflexão cristã fosse explicitando esse conjunto de elementos da fé cristã, tratando-os separadamente, a exemplo do espectro solar refletindo os componentes de um raio de luz. Desse modo, ganhou um tratamento particular na história da teologia cristã a compreensão da salvação oferecida por Deus em Jesus Cristo, construindo a atual doutrina da salvação ou soteriologia. 

MIRANDA. Mario de França*. A Salvação de Jesus Cristo. A doutrina da graça. São Paulo: Loyola. 2011. 

Padre França recebeu o Prêmio Ratzinger de Teologia, instituído em 2011, em cerimônia realizada no Vaticano, na conclusão do Simpósio “Deus caritas est. Porta da Misericórdia”, que marcou as comemorações dos 10 anos da publicação da primeira encíclica de Bento XVI, Deus caritas est.
Esse prêmio é atribuído, anualmente, a dois estudiosos que se distinguiram na pesquisa científica de caráter teológico, que difundem o pensamento da Igreja e conhecem o pensamento do teólogo José Ratzinger.

sábado, 18 de fevereiro de 2017

O direito na história da Igreja

As instituições fundamentais na Igreja não são aquelas inscritas na natureza humana, nem muito menos as determinadas pelo arbítrio do homem, mas as determinadas pela vontade de seu Fundador no plano da redenção. Diferentemente do que ocorre na sociedade civil, a estrutura e as instituições fundamentais da Igreja não são fruto de um compromisso constitucional entre os homens, mas dependem da realidade dogmática da Igreja, de sua própria natureza, que é estritamente vinculante para todos os lugares e todos os tempos. 
O direito divino, como toda a Revelação, está contido nos livros inspirados das Sagradas Escrituras e transmitido mediante a Tradição viva da Igreja, que, em sua profunda unidade, constituem a fonte primordial do ordenamento eclesial. A índole jurídica dos textos das Sagradas Escrituras e daqueles que refletem a Tradição (pregação, teologia, liturgia, etc) não aparece apenas quando estes textos se apresentam como formalmente jurídicos - como ocorre, por exemplo, com as disposições conciliares -, mas também quando o texto indica um comportamento considerado justo ou injusto na comunidade cristã. 

GOMES, Demétrio. Justiça & Misericórdia. A Igreja realmente precisa de um Direito Canônico? São Paulo: Ecclesiae. 2016

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2017

O nome próprio do Espírito Santo

São inúmeros os trechos do Novo Testamento em que o Espírito Santo é apresentado, direta ou indiretamente, como o dom de Deus. "Se tu conhecesses o dom de Deus...", diz Jesus à Samaritana (Jo 4,10); o contexto, que fala da água vida, sempre levou a pensar que se está a aludir ao Espírito Santo (cf. Jo 7,38s). Seja como for, o certo é que, nos Atos dos Apóstolos, o Espírito Santo é definido como "Dom de Deus": "Arrependei-vos[...]. Depois recebereis o dom do Espírito Santo. 
O genitivo "do" Espírito Santo significa não é senão o próprio Espírito Santo. Outras vezes, porém, o sujeito e o objeto do dom são distintos, e o Espírito Santo surge como o dom que o Pai ou Cristo concedem aos fiéis: "Por isto se conhece que permanecemos nele e ele em nós: ele concedeu-nos o dom do seu Espírito" (1 Jo 4,13). 
O próprio Espírito é denominado também "o dom celestial" (Hb 6,4), ou simplesmente, "o dom" que Deus concedeu aos apóstolos no Pentecostes (cf. At 11,17). 
O primeiro a valorizar este título bíblico do Espírito Santo foi Santo Irineu: "À Igreja foi confiado o dom de Deus, como outrora o sopro à criatura formada (Gn 2,7), para que todos os membros, dele partícipes, sejam vivificados". 

CANTALAMESSA, Raniero. Vem, Espírito Criador! Meditações sobre o Veni creator. São Paulo: Canção Nova. 2014.  

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2017

O estudo da Religião

O estudo da religião é o mais necessário de todos. Os outros são de proveito para a vida no tempo. E a religião é necessária para o tempo e a eternidade. 
Nada pode haver de mais importante do que assegurar a salvação da própria alma. O meio de atingir esse objetivo supremo é crer que Deus ensinou e fazer o que Deus mandou. 
Sendo Deus a Suprema Verdade e o Sumo Bem, Ele só nos ensina o que é verdadeiro e só nos prescreve o que é bom. Não se trata, assim, de qualquer manifestação de arbítrio do Criador sobre as criaturas, mas de uma estupenda manifestação de Amor. Ensinando a Verdade e o Bem, Deus ilumina nossos caminhos e previne para que nos desviemos das sendas do erro. 
Ficamos sabendo o que devemos crer e o que devemos fazer pelo estudo da religião. 
Não se deve, pois, pensar que a religião é uma espécie de compartimento estanque na vida. Ou alguma coisa para usar de vez em quando - por exemplo, quando se vai à Missa - e depois guardar na gaveta. 
A este respeito é bom lembrar uma parábola do Evangelho: "O reino dos céus é semelhante ao fermento que uma mulher toma e mistura em três medidas de farinha até que fique fermentada toda a massa" (Mt 13,33). 
Assim, a religião deve orientar toda a nossa vida, todos os nossos atos. A religião é vida. Não apenas um conjunto de preceitos proibitivos com vistas a não pecar, mas uma diretriz positiva para o bem, para a prática das virtudes, dando sentido à existência humana, que sem ela se torna incompreensível. 
Mais ainda. É a nossa vida em Deus e a vida de Deus em nós, habitando em nossas almas pela graça santificante. 

SOUZA, José Pedro Galvão de. Para conhecer e viver as verdades da fé. Belo Horizonte: Edições Cristo Rei. 2013. 

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2017

Os sete Sacramentos

A Igreja não oferece aos fiéis apenas a Palavra Sagrada, mas põe-lhes à disposição também os meios sobrenaturais que permitem participar de Deus: os sacramentos. 
O sentido da palavra "sacramento" é definido no século XII. Até então, confundia-se o que entendemos por esse termo com ritos eclesiásticos cuja instituição nada tinha de divino, como a recepção da água benta ou das cinzas, que Hugo de São Vitor ainda qualificava como "sacramento". Foi discutindo com os hereges que os teólogos se viram obrigados a precisar mais o pensamento cristão. Fixou-se em sete o número desses auxílios divinos, conforme se lê pela primeira vez na Vida de Otão de Bamberg (1139), e foi sobretudo Pedro Lombardo quem estabeleceu a doutrina correspondente, a mesma que o Concílio de Trento sancionaria no século XVI e que é a da Igreja dos nossos dias. 
Quando a criança nasce, conferem-lhe o Batismo; nesta época, o batismo na idade adulta tornou-se já uma exceção. A Igreja insiste agora na necessidade de batizar o recém-nascido o mais depressa possível, dentro de quarenta dias no máximo, como se costuma fazer na Itália. Já não é preciso esperar pelos tempos canônicos - a Páscoa da Ressurreição, principalmente - em que era tradicional celebrar os batismos. 
Como se administra o sacramento? Entre os gregos, subsiste o antigo costume da tríplice imersão. Entre os latinos, a Igreja autoriza também a tríplice infusão de água, mas o costume da imersão, mais complicado e que em alguns casos pode ser prejudicial à saúde ou à decência, acaba por subsistir apenas em Milão e em algumas dioceses alemãs. Por isso, os batistérios tendem  a ser substituídos pelas pias batismais. A cerimônia do batismo é acompanhada pelas mesmas orações, simples e admiráveis, que ainda hoje abrem as portas da Igreja ao recém-nascido. 

ROPS-DANIEL. A Igreja das Catedrais e das Cruzadas. São Paulo: Quadrante. 2012

terça-feira, 14 de fevereiro de 2017

O ensino na Idade Média

Outra marca registrada na Idade Média, e que foi a base da Civilização Ocidental, foi o ensino. É grave calúnia dizer que a Igreja tinha o interesse em manter o povo na ignorância para dominá-los; os fatos mostram o contrário; e contra fatos não há argumentos. 
No século VI, São Cesário de Arles já expunha no Concílio de Vaison (529) a necessidade imperiosa de criar escolas no campo; e os bispos se dedicaram a isto. Da mesma forma foi a Igreja quem montou para Carlos Magno (814), a sua política escolar; e retomou a tarefa educadora no século X após o fim do seu Império. O III Concílio de Latrão (1179), em Roma, presidido pelo Papa Alexandre III (1159-1181), ordenou ao clero que abrisse escolas por toda a parte para as crianças, gratuitamente. Obrigou a todas as dioceses terem ao menos uma. Essas escolas foram as sementes das Universidades que logo surgiram: Sorbonne (Paris), Bolonha (Itália), Canterbury (Inglaterra), Toledo e Salamanca (Espanha), Salerno e Raviera na Itália; Coimbra em Portugal, La Sapienza (Roma). 
Os níveis escolares eram três: primário, secundário e superior. Na base, estavam as escolas paroquiais, "as pequenas escolas". 
No plano superior havia as escolas monásticas e as escolas das catedrais e capitulares, correspondente ao ensino secundário. No século XII havia só na França 70 abadias com escolas. Todos os grandes bispos também quiseram ter escolas; na França, no século XII havia mais de 50 escolas episcopais. Dos sete aos vinte anos as crianças e os jovens eram recebidos nessas escolas sem distinção de classes. Havia escolas só para meninas e moças. As disciplinas dividiam-se em "trivium" (gramática, dialética e retórica) e "quadrivium" (aritmética, geometria, astronomia e música). Mas um grande pedagogo da época Thierry de Chartres, mostrou que o "trivium e o quadrivium" eram apenas um meio e que o fim era "formas almas na verdade e na sabedoria". O importante era o conjunto do saber humano, hoje tão desprezado. 
Em muitas escolas os alunos tinham ensino técnico de como trabalhar com o ouro, prata e cobre. Aos poucos surgiam as especializações: Chartres (letras), Paris (teologia), Bolonha (direito), Salerno  e Montpellier (medicina). 

AQUINO, Felipe. Uma história que não é contada. São Paulo: Cléofas. 2015

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2017

A matriz essencial do pensamento Nova Era

A matriz essencial do pensamento Nova Era deve ser procurada na tradição esotérica-teosófica amplamente aceita pelos círculos intelectuais europeus nos séculos XVIII e XIX. Esteve particularmente  presente na maçonaria, no espiritismo, no ocultismo e na teosofia, que tem em comum um certo tipo de cultura esotérica. Nesta visão do mundo, os universos visíveis e invisíveis são ligados por uma série de correspondências, analogias e influências entre o microcosmo e o macrocosmo, entre metais e plantas, entre planetas e diferentes partes do corpo humano, entre cosmo visível e reinos invisíveis da realidade. A natureza é um ser vivo, atravessado por fluxos de simpatia e antipatia, animado por uma luz e por um fogo secreto que os seres humanos procuram controlar. As pessoas podem entrar em contato com os mundos superiores e inferiores, mediante a imaginação (um órgão da alma e do espírito) ou, então, utilizando mediadores (anjos, espíritos, diabos) ou rituais. 
As pessoas podem ser iniciadas nos mistérios do cosmo, de Deus e de si próprias, através de um percurso espiritual de transformação. A verdadeira meta é a gnose, a forma mais elevada de consciência, equivalente da salvação. Implica uma busca das tradições mais antigas e mais elevadas da filosofia (o que, de maneira imprópria se denomina philosofia perennis) e da religião (teologia primordial) e uma doutrina secreta (esotérica) que é a chave de todas as tradições esotéricas acessíveis a qualquer pessoa. Os ensinamentos esotéricos são transmitidos de mestre a discípulo num programa gradual de iniciação. 

DOCUMENTO DO VATICANO - A NOVA ERA, JESUS CRISTO, PORTADOR DA ÁGUA VIVA. São Paulo: Cléofas. 2008

domingo, 12 de fevereiro de 2017

Relacionamentos falsos e amizades interesseiras

Às vezes fico atemorizado em lidar com as pessoas dissimuladas que vivem ao nosso lado. Não as julgo nem as condeno, só me preocupo com minha personalidade, porque, de tanto conviver com hipocrisias, posso também eu me tornar um dissimulado sem perceber. Eu não preciso fingir que gosto de ninguém. Do mesmo modo, não preciso nem quero que ninguém faça força para gostar de mim, pois ninguém é obrigado a gostar de ninguém. Gosto cada um tem o seu. Amar, sim. Amo até pessoas de quem não gosto, com a força do amor-caridade. Mas nada de coisas piegas: sorrisos falsos, abraços sem intensidade e palavras vazias para fazer média. O amor que tenho para dar é um amor respeitoso e desejoso de que o outro cresça, siga em frente e seja feliz. 
Não viva nada de maneira dissimulada na sua vida. Em se tratando de relacionamentos, no entanto, faça um esforço para ser educado, gentil e amável com todos. Cumprimentar algumas pessoas e não outras é reflexo de infantilidade e afetos mal curados, portanto, tenha um sorriso e um afago para distribuir para todos de forma gratuita e generosa. E reserve os gestos mais profundos e os afetos mais calorosos para as pessoas com quem você tem mais intimidade e afinidade. 
Tudo que ressoa falso é amargo e indigesto. Tudo que ressoa autêntico é formidável e digno de aplausos. Não negue amor a ninguém, mas que ele seja sempre a expressão da autenticidade do seu coração. 

ARAÚJO, Roger. Repensando a vida. Reflexões simples como simples deve ser a vida. São Paulo: Canção Nova. 2014



sábado, 11 de fevereiro de 2017

O amor e a importância da família

O amor e a paciência da família são indispensáveis para a recuperação de um alcoólatra; eles são fundamentais. 
Uma pessoa que, na dor, aprendeu tudo o que sabe é bem diferente daquela que aprendeu com amor, na paz e na bênção de Deus. A primeira é uma pessoa sensível, que se sente diminuída, que exige toda a atenção da família e das pessoas. Eu mesma sou uma pessoa que se magoa profundamente com qualquer olhar meio atravessado; sou como criança, mas, também, passados cinco minutos, não me lembro de mais nada. 
Quando bebia, todas as vezes que chegava em casa, minha mãe estava me esperando, com um terço na mão. Aquilo me envergonhava. Se tivesse força para parar, pararia. Não daria este desgosto a ela. Mas como parar? 
Às vezes eu saía num dia e só voltava no outro, e lá estava ela rezando. Minha irmã Lurdinha mora em Jerusalém, então, à noite, quando eu estava saindo, ela já estava se levantando, indo ao Santo Sepulcro rezar por mim e pelos meus irmãos. Hoje, ela diz que a coisa de que tinha mais medo era receber, a qualquer hora, uma notícia ruim relacionada a um de nós três, os irmãos que bebiam. 
Só uma coisa me segurava dentro de casa: o amor. Quando eu estava na rua e retornava a minha casa para tomar banho, já planejando voltar para o bar, eu já ia pensando em brigar com o primeiro que aparecesse, como se eles fossem os culpados por não me darem paz. Então, eu só voltaria no dia seguinte. 

NUNES, Joziane. Sede Sóbrios. O testemunho que quem vence o alcoolismo. São Paulo: Canção Nova. 2015. 


sexta-feira, 10 de fevereiro de 2017

O novo nome que Jesus usa para Deus

O nome pelo qual Jesus chamava Deus era ainda mais espantoso que aquele que Deus revelou a Moisés. Os judeus aprenderam com Moisés que Deus é apenas Eu Sou, a pessoa eterna, perfeita, única e totalmente real. E Jesus chamava essa pessoa por um nome que ninguém sonharia ou ousaria usar: "Pai". 
Esse fato representava dois choques: Deus era Pai de Jesus, por natureza, na eternidade; e nosso Pai, por adoção, no tempo. 
No mundo antigo, "filho adotivo" era o título legal genérico para mulheres e homens adotados; uma vez que o direito de herança era passado por meio dos homens, "filho" era a palavra necessária para designar o fato de que mulheres e homens tinham direito à plena herança espiritual de todas as riquezas de Deus concedidas por intermédio de Cristo. O ponto realmente "inclusivo" só poderia ser expresso por meio de uma palavra aparentemente "exclusiva". 
E Jesus ainda foi mais adiante. Ele usava a palavra "Abba" - não apenas "Pai", mas "Papai", o termo íntimo usado pela criança ou pelo bebê. (Até mesmo um bebê consegue balbuciar: "Abba", ou "Papa"). Aquele que é infinitamente transcendente, agora, também será, por todo o resto do tempo e da eternidade, infinitamente íntimo. Agora, o Pai está brincando com o bebê e usando a fala dos bebês. O divino inacessível tornou-se tão acessível que pôde ser morto. Ele não só tornou seu espírito acessível, mas também seu sangue. Suas palavras de salvação não eram como as dos filósofos: "Esta é minha mente", mas: "Isto é o meu corpo" (Mateus 26,26). 

KREEFT, Peter. Jesus, o maior filósofo que já existiu. As respostas de Cristo às perguntas mais importantes de nossas vidas. Rio de Janeiro: Petra. 2016



quinta-feira, 9 de fevereiro de 2017

Os gestos e atitudes corporais

42. Os gestos e atitudes corporais, tanto do sacerdote, do diácono e dos ministros, como do povo, visam conseguir que toda a celebração brilhe pela beleza e nobre simplicidade, que se compreenda a significação verdadeira e plena das suas diversas partes e que se facilite a participação de todos. Para isso deve atender-se ao que está definido pelas leis litúrgicas e pela tradição do Rito Romano, e ao que concorre para o bem comum espiritual do povo de Deus, mais do que à inclinação e arbítrio de cada um. A atitude comum do corpo, que todos os participantes na celebração devem observar, é sinal de unidade dos membros da comunidade cristã reunidos para a sagrada Liturgia: exprime e favorece os sentimentos e a atitude interior dos presentes

43. Os fiéis estão de pé: desde o início do cântico de entrada, ou enquanto o sacerdote se encaminha para o altar, até à oração colecta, inclusive; durante o cântico do Aleluia que precede o Evangelho; durante a proclamação do Evangelho; durante a profissão de fé e a oração universal; e desde o invitatório “Orai, irmãos”, antes da oração sobre as oblatas, até ao fim da Missa, exceto nos momentos adiante indicados. 

Estão sentados: durante as leituras que precedem o Evangelho e durante o salmo responsorial; durante a homilia e durante a preparação dos dons ao ofertório; e, se for oportuno, durante o silêncio sagrado depois da Comunhão.

Estão de joelhos durante a consagração, exceto se razões de saúde, a estreiteza do lugar, o grande número dos presentes ou outros motivos razoáveis a isso obstarem. Aqueles, porém, que não estão de joelhos durante a consagração, fazem uma inclinação profunda enquanto o sacerdote genuflecte após a consagração.

Compete, todavia, às Conferências Episcopais, segundo as normas do direito, adaptar à mentalidade e tradições razoáveis dos povos os gestos e atitudes indicados no Ordinário da Missa. Atenda-se, porém, a que estejam de acordo com o sentido e o carácter de cada uma das partes da celebração. Onde for costume que o povo permaneça de joelhos desde o fim da aclamação do Sanctus até ao fim da Oração eucarística, é bom que este se mantenha. Para se conseguir a uniformidade nos gestos e atitudes do corpo na celebração, os fiéis devem obedecer às indicações que, no decurso da mesma, lhes forem dadas pelo diácono, por um ministro leigo ou pelo sacerdote, de acordo com o que está estabelecido nos livros litúrgicos. 

44. Entre os gestos contam-se também: as ações e as procissões do sacerdote ao dirigir-se para o altar com o diácono e os ministros; do diácono, antes da proclamação do Evangelho, ao levar o Evangeliário ou Livro dos Evangelhos para o ambão; dos fiéis ao levarem os dons e ao aproximarem-se para a Comunhão. Convém que estas ações e procissões se realizem com decoro, enquanto se executam os cânticos respectivos, segundo as normas estabelecidas para cada caso.

Instrução Geral sobre o Missal Romano. Petrópolis: Vozes. 2014

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2017

Desde quando a Igreja passou a usar o nome Católica?

O adjetivo católica é anterior ao nascimento da Igreja. Em grego, katholikos quer dizer aquilo que é conforme o todo. Hoje em dia, a palavra equivalente seria holística. De uma forma geral, a tradução para a palavra católica é universal, contudo, o sentido dela é muito mais amplo. 
O primeiro documento histórico que contém o adjetivo católica referindo-se à Igreja é uma carta de Santo Inácio de Antioquia à Igreja de Esmirna, escrita após a sua prisão, que o levou ao martírio em Roma:

Segui o Bispo, vós todos, como Jesus Cristo ao Pai. Segui ao presbítero como aos Apóstolos. Respeita os diáconos como ao preceito de Deus. Ninguém ouse fazer sem o Bispo coisa alguma concernente à Igreja. Como válida só tenha a Eucaristia celebrada sob a presidência do bispo ou de um delegado seu. A comunidade se reúne onde estiver o Bispo e onde está Jesus Cristo está a Igreja Católica. Sem a união do Bispo não é lícito Batizar nem celebrar a Eucaristia; só o que tiver a sua aprovação será do agrado de Deus e assim será firme e seguro o que fizeres. 

Onde está Jesus Cristo está a Igreja Católica, segundo Santo Inácio. Mas, essa palavra era usada também em outro sentido, por exemplo, São Justino quando escreveu o Diálogo a Trifão, usou a mesma palavra para referir-se à ressurreição geral, de todas as pessoas. O termo se aplicava também à universalidade do número das pessoas, numa imagem da Igreja que acolhe a todos em seu seio. 
A partir do século IV, com o surgimento de várias heresias, um outro sentido foi dado à palavra católica. São Cirilo de Jerusalém para comparar a fé ortodoxa com a fé herética, usa o termo fé católica. Ou seja, a verdadeira fé aceita a totalidade das verdades reveladas, enquanto a fé herética escolhe aquilo em que quer acreditar, selecionando o que mais lhe convém e rejeitando os demais conteúdos da fé. 

RICARDO, Paulo. A resposta Católica. Um pequeno manual para grandes questões. Volume 1. São Paulo: Cléofas. 2013

terça-feira, 7 de fevereiro de 2017

Escritores africanos de língua latina

As primeiras versões latinas da Bíblia surgiram na África do norte e muito provavelmente em Roma, que mantinham relações culturais estreitas. Embora não tenhamos o texto original, este foi reconstruído graças às inúmeras citações dos escritores africanos do terceiro século. Os primeiros autores a utilizarem o latim foram, na África, Tertuliano e, em Roma, Minúcio Felix e, pouco após, Novaciano. Mas a língua que prevalecia em Roma, nos ambientes culturais, era língua grega. O próprio Tertuliano escreveu cinco de suas obras em grego, traduzidas por ele mesmo para o latim. 
As primeiras notícias que temos da presença da Igreja na África remontam a última metade do século segundo, com as Atas dos mártires scilitianos, que provinham provavelmente de uma população local, da cidade de Scillium. A chegada dos cristãos deu-se alguns decênios antes do ano 180. No tempo de Tertuliano, a Igreja já está bem organizada, a ponto de ele dizer, com certo exagero retórico, que se os cristãos abandonassem as cidades, estas se tornariam vazias. 
Tertuliano não é considerado, no sentido estrito da palavra, "Padre da Igreja", mas escritor eclesiástico de grande importância. Pessoalmente, possui ampla erudição no campo literário, filosófico e jurídico. Nascido em Catargo, ele era capaz de escrever em grego e latim, chegando a verter para o grego algumas de suas obras, originalmente escritas em latim. Filho de um centurião romano, em sua idade madura, abraçou o Cristianismo, com a fogosidade do seu temperamento africano. 

FIGUEIREDO, Fernando A. O alvorecer da Igreja na África. São Paulo: Cléofas. 2016

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2017

A filosofia cristã e a Sagrada Escritura

O aparecimento do cristianismo foi bem diverso do das antigas filosofias. Na verdade, ele nem sequer se apresentou como filosofia, mas como religião. Sua primeira manifestação exterior liga-se a uma série de fatos históricos. 
A um pequeno grupo de galileus incultos coube anunciar ao mundo a boa-nova do aparecimento, no país da Palestina, de um homem extraordinário, chamado Jesus. Nascido de uma virgem, num estábulo de Belém, apresentou-se como o Messias anunciado pelos profetas ao povo judeu e a toda a humanidade. Viveu como homem entre os homens, e não obstante declarou ser Deus, confirmando seu testemunho com milagres. Prometeu a vinda do Reino de Deus, a que os homens deviam preparar-se pela penitência e pelas boas obras. Depois de percorrer a Palestina, fazendo o bem e operando milagres, morreu na cruz, dando cumprimento às profecias e resgatando a humanidade pecadora. Ao terceiro dia ressuscitou do sepulcro, demonstrando definitivamente sua divindade. Sua vitória sobre a morte constitui um penhor de ressurreição para todos os que lhe aceitam a doutrina e se deixam batizar. Finalmente subiu ao céu, donde tornará com grande poder e glória, para julgar os vivos e os mortos e fundar um novo reino que não terá fim. A imagem temporal deste reino é a comunidade dos seus discípulos, presidida pelos apóstolos. 

BOEHNER, Philotheus; GILSON, Etienne. História da Filosofia Cristã. Petrópolis: Vozes, 2012.

domingo, 5 de fevereiro de 2017

O testemunho do pregador do Papa

É impressionante o testemunho dado pelo Frei Inácio Raniero Cantalamessa, Pregador da Casa Pontifícia, há mais de trinta anos, desde João Paulo II até agora o Papa Francisco, sobre o seu batismo no Espírito Santo. Ele mesmo conta no seu livro Ungidos pelo Espírito Santo (Edições Loyola, SP, 1998, pp. 145-151). Este testemunho foi dado em um Retiro da RCC que ele pregou em 1992, na cidade de Monterrey, no México para cerca de 1.500 padres e 70 bispos. 
Isso aconteceu antes dele ser convidado pelo Papa João Paulo II para ser pegador dos retiros de Quaresma e de Advento da Casa Pontifícia, há mais de trinta anos. Ele afirma que "o batismo no Espírito  revelou-se um poderoso meio de reavivar a vida espiritual de milhões de pessoas, uma autêntica "corrente de graça", como apreciava defini-lo o cardeal Suenes" (p. 146). 
Ele começa contando que era cético em relação ao batismo no Espírito. Ele é religioso capuchinho, e era professor de História das Origens Cristãs e Diretor do Departamento de Ciências Religiosas da Universidade Católica do Sagrado Coração de Jesus de Milão. Mas ele diz que não estava satisfeito e "sentia vagamente a necessidade de uma mudança radical" (p. 147). 
Ele conta que 1974 começou a ouvir falar da RCC e disse à pessoa que lhe falou dela, que "não voltasse naquele lugar". Mas ele percebeu que os carismáticos ao invés de tratá-lo mal, por causa de suas duras críticas, o amavam e pediam que lhes dessem ensinamentos. E ele começou a ver que naqueles grupos havia algo parecido com o que acontecia na Igreja primitiva: amor entre eles, oração forte, caridade, amor a Igreja, ao Papa, a Virgem Maria...

Aquino, Felipe. Descerá sobre vós o Espírito Santo. São Paulo: Cléofas. 2015

sábado, 4 de fevereiro de 2017

Da pureza de coração e de sua importância

I - A pureza de coração consiste em não ter no coração coisa alguma contrária a Deus e à operação da graça. 
II - O primeiro meio para chegar à perfeição é a pureza de coração. Depois dela vêm os preceitos e a doutrina espiritual dos livros, depois a direção e a fiel cooperação à graça. 
III - Quando o coração está bem puro, Deus enche a alma e todas as suas potências com sua presença e o seu amor: a memória, o entendimento, a vontade. 
Assim a pureza de coração conduz à união divina e a isso não se pode chegar por outros caminhos. 
IV - O caminho mais curto e mais seguro para chegar à perfeição, é a preparação para a pureza de coração antes que para o exercício das virtudes, porque Deus está pronto para nos conceder todas as espécies de graça desde que não lhe ponhamos obstáculos. 
Santo Inácio dizia que os próprios santos punham grandes obstáculos às graças de Deus. 
V - Entre todos os exercícios da vida espiritual, a nenhum o demônio opõe maior obstáculo que à pureza de coração. 
Ele nos permitirá fazer atos exteriores de virtude. 

DEHON, Padre Léon. A vida interior. Seus princípios, suas vias diversas e sua prática; conforme os melhores autores ascéticos. São Paulo: Livre, 2016. 

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2017

Esperança nossa, salve

Não suportam os hereges modernos que nós saudemos e chamemos a Maria nossa esperança. Dizem que só Deus é nossa esperança, e que Ele amaldiçoa quem põe sua confiança na criatura. "Maldito o homem que confia no homem" (Jr 17,5). Maria é criatura, objetam eles; como, pois, uma criatura há de ser a nossa esperança? Isto dizem os hereges. Entretanto quer a Santa Igreja que cada dia todos os eclesiásticos e todos os religiosos em voz alta, e em nome de todos os fiéis, invoquem e chamem a Maria com este nome de esperança nossa. 
De dois modos, diz o Angélico S. Tomás, podemos pôr nossa esperança numa pessoa, como causa principal ou como causa mediante. Quem deseja obter do rei uma graça, espera alcançá-la do rei como soberano senhor, e espera obtê-la do seu ministro ou valido, como intercessor. No último caso a graça concedida veio do rei, mas por intermédio do seu valido. Portanto, quem pretende a graça com razão chama aquele seu intercessor a sua esperança. Por ser de infinita bondade, sumamente deseja o Rei do céu enriquecer-nos com as suas graças. Mas porque para tanto é necessária da nossa parte a confiança, deu-nos o Senhor, para aumentá-la, sua própria Mãe por advogada e intercessora, e concedeu-lhe plenos poderes a fim de nos valer. Por esta razão quer também que nela coloquemos a esperança de nossa salvação e de todo o nosso bem. Sem dúvidas são amaldiçoados pelo Senhor, como diz Jeremias, aqueles que põem sua confiança na criatura unicamente. Tal é o procedimento dos pecadores que, em troca da amizade e dos préstimos de um homem, não se incomodam de ofender a Deus. São abençoados pelo Senhor e lhes são agradáveis, porém, os que esperam em Maria, tão poderosa como Mãe de Deus, para impetrar-lhe as graças e a vida eterna. Pois assim quer Deus ver honrada aquela excelsa criatura, que neste mundo o amou e honrou mais do que todos os anjos e homens juntos. 

SANTO AFONSO DE LIGÓRIO. Glórias de Maria. São Paulo: Santuário. 1989

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2017

Da caridade para com o próximo

O Servo - Não foi em vão, fervorosíssima Virgem, quando saístes da solidão de Nazaré para o rumor do mundo. O que a isso vos levou senão o espírito de caridade? Felizes as colinas que receberam as impressões de vossos passos! Montanhas da Judeia, estremecei de alegria!
Digna Mãe do Deus de Caridade, apenas vos informara o Anjo sobre o estado de vossa santa prima Isabel, pressa vos destes em visitá-la. Com apressados passos, diz o Evangelho, seguistes as inspirações do Espírito Santo, o qual sempre exige das criaturas a presteza no cumprir o que Ele inspira. As montanhas que teríeis de transpor não detiverem o vosso caminhar. A caridade cumpre o seu dever corajosa e generosamente. Durante algum tempo, tivestes que abandonar as doçuras do vosso retiro. A caridade tem os seus direitos, e a estes devem submeter-se os prazeres da própria piedade. Não é coisa efêmera a vossa caridade. Cerca de três meses permanecestes em casa de Isabel, a fim de lhe prodigalizares cuidados e atenções. 
Que frutos preciosos de santidade não teriam sido os que brotaram dessa visita de caridade! Cheia ficou Isabel do Espírito Santo e santificado João Batista no próprio seio materno. Decerto, já Isabel e o seu esposo viviam na prática das virtudes. Todavia, mercê dos vossos exemplos, mais ainda tiveram que aprender para maior perfeição daquelas virtudes. 

Imitação de Maria. São Paulo: Cultor de Livros. 2014. 

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2017

Deus ou Nada

Uma sociedade sem Deus, que tem por letra morta um questionamento espiritual, mascara o vazio de seu materialismo enganador do tempo para melhor esquecer a eternidade. Mais a matéria estende seu domínio, mais o homem tem prazer em diversões sofisticadas, nascisistas e perversas; mais o homem esquece Deus, e mais ele se observa a si mesmo. Olhando-se, vê as deformações e a feiura que suas devassidões inscrustaram em sua face. Então, para de dar à ilusão que permanece ainda o ser luminoso do esplendor original da criatura de Deus, ele se maquia. Mas o mal escondido se assemelha à brasa viva sob a cinza. 
Sem Deus, o homem constrói seu inferno na terra. As diversões e os prazeres podem se tornar verdadeiros flagelos para a alma quando o afundam na pornografia, na droga, na violência e em todas as perversões possíveis. 
Há uma grande tristeza em querer prazeres sem limites, quando a mais bela alegria é permanecer simplesmente com Deus, deixando que Ele nos envolva de luz e de pureza. 


SARAH, CARDEAL ROBERT. Deus ou Nada. Entrevista sobre a Fé. São Paulo: Fons Sapientiae. 2016